domingo, 19 de abril de 2015

Fazia tempos que eu não escrevia versos. Até que há poucos dias um deles surgiu, não de minhas mãos, mas catado por elas. E foi da boca desse português, meu companheiro de viagem, que a poesia saiu: "Sobe e vê os campos de arroz!" Ele me chamava de cima de uma pedra. Mas era como um convite à poesia, que eu aceitei e propus. E hoje, que é meu último dia de Nepal, nos permitimos um dia devagar. Discutimos sobre a sociedade e os caminhos do mundo na mesa de café da manhã, que já apelidamos de "mesa do debate matinal". Depois devolvemos a moto alugada, fiz minhas últimas compras e sentamos-nos em um restaurante aconchegante. O almoço se estendeu em versos. Ele com seu caderno. Eu com meu celular mesmo, que era tudo o que eu carregava. E eis que tenho um poema, inspirado por seu verso inicial, por todas as nossas conversas sobre o mundo sonhado e, claro, pelas paisagens do Nepal. Dedicado ao companheiro português, "different countries, same language". E aos companheiros de novo mundo:
Sobe e vê os campos de arroz:
Vê que a verdade verdeja ainda cedo
E quem no grão enxerga o depois
Sabe da vida o segredo.
Crê que a semente promete já sendo
E que alimento abunda da terra
Vê que só erra quem tira e não parte
E a mão que semeia já segue sabendo.
Sê quem não foge ao solo sagrado
Se é do agrado do tempo a colheita
Aceita o que a vida ofertar e o que incide
Mas o que puder tu divide.
Foge mas lembra as regras do jogo
Faz cada morte passada um presente
Traz tuas marcas forjadas a fogo
Mas olha pra frente.
Vê as mulheres com cestos de palha
Lê os seus textos que o vento espalha
Gera teus frutos em terrenos amplos
Aprende e sê como os campos.
Eu sei que às vezes parece vão
Mas seremos dois se me deres a mão
Lembra que o grão já pertence ao depois:
Sobe e vê os campos de arroz.

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