domingo, 19 de abril de 2015

Ele me serve a melhor comida de Varanasi e, nas horas vagas, me dá aulas de hindi. Eu quero saber os plurais:
- Ek larka, do larke?
Ele me corrige:
- Do larka.
Mas o plural não era larke? Era assim que ensinava meu livro. Ele explica: até dois ainda é singular. A partir de três, é plural. Curioso, isso.
Eu ando pelas ruas. Por causa da chuva e da lama, evito circular muito. Vou apenas para os locais necessários e também para os restaurantes. A vida aqui quase se resume a frequentar os mesmos lugares, como visitasse a casa das pessoas.
É tão delicado isso de trocar palavras, alguns afetos e ir embora.
Dizem que quem não consegue ficar só são aqueles que não suportam a própria companhia. Eu sinto o contrário. É tão fácil estar sozinho. A gente consegue evitar o espelho que é, invariavelmente, o outro.
É nas relações a dois, essas, em que não vamos embora, que somos obrigados a conviver com nossa sombra. Os relacionamentos profundos. O espelho que aparece nos momentos mais inconvenientes e expõe aquilo que somos.
É preciso coragem, o amor e a convivência cotidiana e próxima. E, talvez porque me seja quase insuportável o sangue do desnudamento, talvez porque me falte essa coragem essencial: eu sempre fui a pessoa que foi embora.
Também tem sua parcela de ousadia, essa ânsia de enfrentar o mundo. Também tem o tanto de mim que se desafia a cada nova situação. Mas será que um dia terei a coragem de ficar? Encarar o fundo da imagem no espelho. A sombra.
E ficar.
E não culpar o outro pelo que sou.
E ficar, ainda.
Talvez tudo isso seja um aprendizado para que um dia eu entenda o dois como singular. Não o conto romântico da alma gêmea, de ser um só. Mas saber enxergar na diferença, no absolutamente outro, sua própria essência, em realidade e avesso. Ver a singularidade no plural.
"O inferno são os outros", já dizia Sartre. Mas eu acredito, ah, como acredito, que na aceitação do inferno e do fogo um dia talvez eu encontre uma espécie de paraíso.

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