quinta-feira, 25 de março de 2010

Por inteiro


Eu não quero nada pela metade.
Eu não quero receber presentes sem cartão,carta, palavra ou sinal de que foi algo pensado, elaborado e dado com coração. Eu não quero o embrulho da loja. Não quero aproximações se não houver interesse genuíno. Não quero amizades pequenas. Não quero e-mails que não sejam direcionados exclusivamente para mim. Não quero mensagens genéricas de aniversário por Orkut. Não quero me casar se não for para sempre. Não quero meias-palavras, não quero meias verdades. Não quero ler o livro até a metade. Não quero conversas fáticas. Não quero fazer o social. Não
quero abraços sem ternura. Não quero chuva sem frescor.
Eu até como maxi goiabinha no avião. Eu até acho graça na falta de comunicação. Eu até me distraio com simulacros de amores. Eu posso ser cordial com aproximações de interesse duvidoso. Eu digo que adorei as flores. Eu sou condescendente com as mensagens secas de acordo com o protocolo. Eu faço vista-grossa para um punhado de coisas. Eu me esforço pra prestar atenção na conversa desinteressante. Eu finjo que acredito. Quando o mar está agitado, eu tomo banho de chuveiro.
Eu até margeio o que me é dado pela metade. Mas só mergulho no que me é dado por inteiro.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Tudo e nada


Sei que tenho andado em dívida com este blog ultimamente. É que tenho passado por ele como pela vinte e cinco de março. Sabe quando você está em um loja e encontra apenas uma coisa de que gosta? Assim é fácil ter certeza do que levar. Mas quando entramos em um lugar com várias e várias coisas de que gostamos, acabamos não comprando nada. Assim tem sido minha mente. Não falta de assunto, mas excesso. Pensando e repensando meu mundo, encontrando, desencontrando e reencontrando pessoas, bolhas, lugares. Eternamente fugindo e voltando. É o meu caminho, suponho...

sábado, 6 de março de 2010

Discurso de Formatura


Nesses dias tenho conversado muito com meus amigos de faculdade sobre o que a graduação significou para nós. Depois de quatro anos passados, vemos com certa distância o que éramos naquele tempo e o que nos tornamos depois. Ontem foi a colação de grau da minha irmã e, enquanto o orador da turma proferia seu discurso, fiquei pensando no que eu vivi durante meu curso e resolvi escrever aqui não meu discurso, já que anos depois posso dispensar as formalidades inerentes ao ritual, mas meu depoimento de formatura:

Em 2001 ingressei na Faculdade de Comunicação da UFG. Era uma garota que adorava escrever e que queria mudar o mundo e, por isso, escolhi a profissão: jornalista. Não se passou um mês para que eu percebesse que escolhera o curso errado. Mas o que demorei a perceber era que o curso errado era tão certo em minha vida.

No início os novos colegas pareceram estranhos e ameaçadores a mim, que estudara a vida inteira em colégios burgueses e era acostumada a pessoas uniformes, uniformizadas. Com o tempo aquela mistura de pessoas diferentes, vindas de diversos lugares e classes sociais, começou a tomar forma e alguns rostos passaram a se destacar. Os rostos amigos: aqueles que partilhavam das afinidades. O jornal literário, os saraus, as coreografias, o grupo de Antropologia, as discussões filosóficas.

Houve as disciplinas essenciais, as inesquecíveis. As aulas da Selma, que nos dava as primeiras noções de cultura e relativização. A leitura sistemática de textos filosóficos com o Jordino, em longas aulas sobre o ser do ente. As inter-relações entre Nietzsche e Dostoievski que geravam interessantes discussões nas aulas da Cláudia. Os trabalhos do Signates, que me forçavam a pensar a institucionalização sistêmica dos meios de comunicação. Houve a disciplina da mulherzinha, que aproveitei por teimosia, já que fazia questão de estudar e tirar boa nota como resposta a sua mediocridade. Houve as inúmeras disciplinas que cursei como núcleo livre na faculdade de Filosofia: Lógica, Filosofia da Mente, Filosofia Contemporânea, Filosofia da Linguagem,... Houve as aulas de fotografia e produção audiovisual, em que passei tardes entretida ampliando fotografias ou noites gravando curta-metragens. E houve também as disciplinas que cursei porque eram obrigatórias, mas pelas quais não tinha o mínimo interesse, já que não pretendia ser jornalista.

Vendo, hoje, à distância, percebo que tanto aprendi quando pensava estar perdendo tempo. Enquanto matava aula para comer coxinhas na Faculdade de Artes, enquanto brigava com a professora que nos acusou de cola injustamente, enquanto trocava bilhetinhos nas aulas. Aprendi sobre a vida e as pessoas, com uma dimensão impossível de ser apreendida em salas de aula.

Saí da faculdade em 2006 com um diploma em uma mão e tesouros muito mais preciosos na outra: amizades verdadeiras, idéias expandidas, experiências impagáveis. E hoje, passados quatro anos, afirmo com certeza: se eu fosse escolher um período da vida para o tempo se congelar, eu me eternizaria naquela garota de saia longa, passeando pelos corredores da faculdade, comendo coxinhas e suco de cupuaçu, ao lado das melhores companhias do mundo. Ser feliz com o máximo de intensidade: eis outra lição que aprendi na faculdade.

sexta-feira, 5 de março de 2010

O Jardim Japonês

Eu passo por Goiânia, cidade passada e presente. Eu passeio pelas ruas, dirijo na estrada, cantando com o rádio. Eu gosto de dirigir no fim de tarde, quando o céu é tão lindo. Eu já havia reparado, quando morava aqui, que o céu de Goiânia é assim tão limpo e claro? Eu fico com a cabeça e os olhos nas nuvens. Quando entro no condomínio aproveito o silêncio para escancarar as janelas do carro e deixar o vento entrar.

Eu encontro meus amigos, meus amigos do peito, para falar sobre a vida. Eu reencontro tanta gente que há tempos não via. A gente faz sarau, churrasco, almoço, clube da luluzinha. A gente canta e faz coreografia. Eu coloco meu futuro em pauta e deixo todo mundo dar palpite. Às vezes eu me canso de ouvir conselhos e declaro encerrado o assunto.

Eu como pamonha, cachapa, arroz com pequi, rodízio de crepe. Eu como o arroz branco da minha casa, que é único porque tem gosto de arroz de casa e eu tanto sinto falta quando não estou aqui. Eu tomo sorvete todos os dias com bananas e cereais e às vezes jogo um pouquinho de batida por cima e a mistura fica até bem gostosa.

Eu monto um quebra-cabeças defeituoso que estava guardado há vários e vários anos, porque eu não tinha paciência de ficar juntando tantas peças quebradinhas que não se encaixavam com perfeição. Eu fico espantada ao terminar de montar e constatar que não há nenhuma peça faltando. Eu começo a fazer metáforas com a minha vida, eu relembro uma música de que gostava do Pato Fu e penso que o quebra-cabeças, a música e meus sentimentos são peças que se encaixam.

Eu pinto retalhos da saia no quadro que deixei inacabado, em que me retrato sozinha no universo, mas levando na saia pedaços de tudo que me é significante. Eu pinto elefante, pinguins, coruja, envelopes, avião, a Muralha da China, tênis vermelhos, macieira, jasmim-manga, cachoeira. Mas o retalho mais doce talvez seja o das cravíneas que plantei um dia.

Eu brinco com onças crianças e elas pulam em cima de mim feito malucas e querem arrancar o meu cabelo. Eu carrego quatis e tamanduás, eu tiro fotos de todos os bichos, menos das aves, porque meu negócio é com os mamíferos. Eu saio toda suja e arranhada, bem que a Marina avisou para não ir de shorts e para usar roupas resistentes e que cubram meu corpo. Eu volto pra casa com a blusa rasgada e com terra até dentro da orelha.

E eu passeio por Goiânia e vou passando por tudo isso, mas às vezes acho que fiquei presa entre pedras e pontes e fontes, onde um dia se abriu uma brecha no tempo e no espaço, para se criar a materialização do que é a eternidade: aquele Jardim Japonês.