segunda-feira, 30 de abril de 2012

Equilíbrio


"Azar no jogo, sorte no amor", é o que dizem.

Eu nunca ganhei um sorteio. Uma rifa. Nem um bingo de escola. Nem figurinha premiada.

Sorte na vida, é o que tenho. Vida, Amor, quase a mesma coisa, quando em maiúsculo. Esse maior ampliado. Sorte eu sempre tive. Uma amizade bonita com o Mundo. Ele jogando beleza no meu caminho, como espalhasse sementes. Eu colhendo. Às vezes peço. Ele entrega. Às vezes tenho desejo fundo, desses de nem saber. Ele entrega também, e eu de repente saibo. E, quando entro no mar, sempre agradeço. O mergulho é minha forma de oração. Mergulho e repito: "Obrigada, Deus. Obrigada, Mundo. Obrigada, Universo". Felicidade também é oração.

Mas Universo não pode ser gentil assim com uma pessoa o tempo todo. Tem que haver um equilíbrio. Então ele encontrou um mecanismo de compensação: São Pedro. É como se fosse meu inimigo, mas não é. Estamos em um jogo. Eu faço meus planos, ele os estraga. Às vezes eu o desafio, acho graça. Mas logo me coloco em meu lugar, bem sei que comprar briga com santo não é bom negócio.

Ontem combinei de levar uma amiga para conhecer a Pedra da Gávea. Havia tempos ela me pedia, e sempre aparecia um empecilho que me impedia de cumprir a promessa. Nos encontramos em Ipanema. Chovia forte.

- E agora, seguimos?

- Eu tenho uma teoria (eu sempre tenho uma teoria)... Esse tipo de chuva é só um teste. É pra saber quem vai e quem desiste. Nós devemos seguir, pois na hora H a chuva vai parar. E, quando estivermos no topo, ainda vai abrir um solzinho e teremos uma vista linda lá de cima.

- Eu acho que a natureza está com ciúmes da gente. Ela sente que chegamos muito perto, por isso ela está aplicando o teste de chuva.

Demos risada e seguimos. O tempo, como na minha previsão. A Pedra esvaziada dos turistas barulhentos domingueiros, que foram espantados pela chuva-teste. As nuvens formando um teto sobre nós, sem encobrir nossa vista da cidade. Os morros ao longe de um azul-lilás. Tudo pintado de aquarela.

- Viu, Natureza? Nós não temos medo de você! - minha amiga comemorou.

- Mas também não estamos te desafiando, tá? - completei.

Reconheço seu poder.

Universo é muito meu amigo, isso sim. Ele brinca de me fazer feliz, mesmo que às vezes se vista de São Pedro, para brincar de me contrariar. O equilíbrio, eu sei.

Hoje eu havia combinado de subir a Pedra de novo, com outra amiga. Acordei cedinho, fiz algumas tarefas rotineiras, tomei um banho e resolvi me dar o direito a outro cochilo. Durante o banho eu ficara pensando em algo que eu queria, quero muito, mas que só naquele momento me ocorreu. Levantei com a boa notícia, o desejo que eu havia feito no chuveiro. Então é assim? Eu mal penso e meu desejo cai do céu? Sorri para o Mundo. Obrigada, Universo. Como se fosse um mergulho.

Saí para a rua, a Pedra da Gávea. O tempo chuvoso. Fui pronta para enfrentar outro teste. Tempestade. Insisti e, encharcada, continuei a caminho. Minha amiga mandou mensagem avisando que na Barra também chovia torrencialmente. Vencida, abortei a missão.

Eu, a filha mimada pelo Universo. São Pedro, o contraponto. Entendi tudo.

Volto pra casa e digo a São Pedro: "Você venceu. Mas saiba que vou tomar um banho bem quente e perfumado. E beber chazinho com bolo."

Não posso reclamar. Tudo que eu tenho me caiu dos céus.

Até chuva.