segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Encontro


O encontro acontece em uma praça, ao som de "Canção pra viver mais", de Pato Fu. A primeira tem cabelos negros e compridos, cara lavada, usa um vestido esvoaçante e sandálias havaianas. A segunda tem cabelos vermelhos e curtos, usa um batom escuro, calças largas, com um pedaço da cueca aparecendo, e tênis vermelhos, como os cabelos. A primeira reconhece imediatamente a segunda. Sorri. Esta fita a primeira, intrigada. Pergunta-se:

Lian 18: Será?

Como a pergunta saíra em voz alta, a outra responde:

Lian 28: Será. Ou melhor, sou. - e olha para a garota perplexa em sua frente . Estará ela decepcionada?

Lian 18 analisa. Quem é a garota de chinelos e vestido esvoaçante? Que será que ela faz da vida? Onde vive? Como vive? Aproxima-se e toca-lhe o braço, apenas para confirmar sua materialidade. Lian 28 lança-lhe um olhar irônico. Sabe ser objeto de curiosidade da garota de cabelos vermelhos, que ela tanto e tão profundamente conhece.

Lian 28: Vamos, pergunte!

Lian 18: Perguntar o quê?

Lian 28: Tudo o que você quiser.

Lian 18: Eu quero perguntar tudo.

Lian 28: Melhor a gente se sentar.

Lian 28 olha em volta. Repara nas árvores, nos bancos. Muita coisa se passara ali. Banhos de chuva, pactos, fim do mundo.

Lian 18: Reconhece este lugar?

Lian 28: Sempre.

Lian 18: E então, como acabou?

Lian 28: Nada acabou ainda. Os caminhos não se fecharam. Abriram-se, cada vez mais incertos.

Lian 18: E a revolução, as mudanças?

Lian 28: As mudanças foram outras.

Lian 18: E os ideais?

Lian 28: Não sobreviveram.

A menina de cabelos vermelhos olha para o chão, desapontada. Prometera-se não deixar de acreditar, de lutar. Mas era isso, então... os ideais estavam fadados a morrer e no fundo ela já pressentira. Estava feliz, tão feliz e tão plena que não queria mais mudar o mundo. Mas se apegara àquele ideal por teimosia. Então, hesitante, fez a pergunta, aquela que há muito ansiava:

Lian 18: E o amor?

Lian 28 deu um suspiro. O amor. Não sabia o que responder. Poderia dizer que acabou. Mas acabam, essas coisas de amor? Passaram-lhe muitas coisas pela cabeça. A ela, essa garota de cabelos longos e negros, ocorria isso: preguiça de falar. Principalmente quando todos os pensamentos apareciam assim: incoerentes, complexos. Pensou em explicar os fatos, tentou ordenar todos os sentimentos, as necessidades que justificavam os encontros e as partidas. Não soube fazê-lo. Limitou-se a olhar para o horizonte e dar uma resposta vaga:

Lian 28: Os caminhos...

A outra entendeu. As duas ficaram longo período caladas, perdidas em algum tempo que não era o delas. Até que, cortando o silêncio, voz embargada, uma delas falou:

Lian 18: Minha promessa é o para sempre.

Lian 28: Não funcionou. Mas outros vieram, outro virão.

Lian 18: É a mesma coisa?

Lian 28: Nunca é.

Lian 18: Profissão?

Lian 28: Talvez encontremos por aí a Lian 38 e ela nos possa responder. Eu não tenho essa resposta.

Lian 18: E o que ficou de mim?

Lian 28: Eu te escondi durante muito tempo. Cheguei a pensar que você não mais existisse. Mas aí comecei a percebê-la em algumas pequenas coisas, principalmente na intensidade e na cegueira.

Lian 18: Aprendizados?

Lian 28: Nenhum.

Lian 18: Como, nenhum?

Lian 28: Tudo que aprendi aos 20, desaprendi aos 25.

Desta vez as duas silenciam e não dão continuidade ao diálogo. Ambas prestam atenção à música que toca: "... deixei que tudo desaparecesse e perto do fim não pude mais encontrar, e o amor ainda estava lá..."

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Conversa ao telefone

Conversa entre minha irmã, na Austrália, minha mãe, em Goiânia, com participação de João Tai, meu gato:

Mãe:  Ah.. o João quer falar com você! Ele percebeu que é com você que eu estou falando!! Fala com ele aqui..

Marina: Tá.

João: ...

Marina: João! Mamãe gosta tanto João.. ama tanto.. tanto tanto..

João: ...

Marina: Joãaaa-ao!

Mãe: ... não Marina.. acho que ele não entendeu!

Marina: Mãe! Vc colocou o telefone no ouvido dele? Não pode colocar muito perto do ouvido!!

Mãe: Ele não entendeu não.. e- ele fugiu.. ele foi embora..

Marina: Não pode pôr muito perto mãe!!.. porque dói e ele quer fugir..

Mãe: Ele foi embora... ele não sabe que é você..

Marina: Mãe!!!

terça-feira, 12 de outubro de 2010

À deriva

Eu navego neste barco sem saber aonde chegar. Há dias abandonei os remos, cansei de lutar contra as tormentas e as marés. Eu sigo neste barco mesmo que o vento me leve para longe de você. Não quero antecipar os caminhos, não quero brigar com o mar. Deixo apenas que ele reflita minhas ondas, minha profundidade e imprevisibilidade. Deixo o canto às sereias, a aridez às areias. E sigo entregue e inteira, sem saber onde atracar.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Quando tudo dá errado


Já há alguns anos, quando cursávamos faculdade, minha amiga Júlia dizia: "Se tudo der errado na minha vida, abro uma lojinha de artesanato em Pirenópolis". E eu emendava: "E eu compro uma cachoeira lá e fico cobrando entrada e camping". Depois teve a fase em que visitamos a USP e assistimos a uma aula de filosofia que adoramos. Então ela passou a dizer: "Se tudo der errado na minha vida, vou fazer mestrado com o Fulano". Hoje ela faz doutorado na USP e adivinhem quem é seu orientador?

Ultimamente tenho feito mil planos para meu "se tudo der errado": viver em comunidade alternativa, colocar um mochilão nas costas, ser designer de jóias, virar artista plástica e abrir um ateliê em Búzios, ser estilista de moda infantil, ir pra Capadócia, pra Oceania, ser uma gorda bonita, falar de energias, comer rezar e amar, etc. e etc..

Ontem concluí: Já deu tudo errado. E agora? Chutei o balde e desisti de dar certo. Acordei tarde e tagarelando ao telefone com minha voz rouca que há dias tentava poupar, comi o que devia e o que não devia, inutilizei minha tarde, fui dispensada de minha responsabilidade à noite, brinquei como criança, coloquei a mão inteira dentro da boca, vi minha amiga em um fim de dia cinematográfico, fiquei pirando na pantera com meu amigo até quatro da manhã, dormi no sofá, matei aula, comi comida na minha própria casa.

E de repente dar errado está dando certo.

sábado, 2 de outubro de 2010

A Oceania


Acho que nasci para viver em paz. Mesmo quando jogo War, fico estressada com os ataques e acabo fazendo vários acordos de paz, que na maioria das vezes me fazem perder o jogo. E, quando me sinto muito ameaçada, esqueço logo meu objetivo e procuro fugir para um território que não seja disputado, onde eu possa simplesmente sobreviver e me reproduzir. Na maioria das vezes esse território é a Oceania.

Hoje é a minha irmã quem vai para lá, fazer seu mestrado na Austrália. Que a Oceania lhe seja o mesmo que é para mim: essa terra de liberdade e paz.