domingo, 19 de abril de 2015

20 de março

Uma das melhores coisas que aprendi com a minha terapeuta foi a escutar o corpo. E, assim, compreender as trocas energéticas que eu tenho com as pessoas. Identificar os vampiros: aqueles que me sugam. Não que sejam pessoas más ou nada parecido. Mas apenas: quem tem menos tira de quem tem mais. Quando se tem de sobra, não há problema. A questão é que há momentos em que já temos pouco e, aí, proteger-se torna-se vital.
Escutar o corpo. Identificar o que sinto. Onde sinto. Saber quem me tira a energia e quem me dá mais vontade de viver. Às vezes é um respirar pesado, o sinal. Um sufocamento. Às vezes, borboletas no estômago. São bons ou maus? Nada é óbvio. E nada é uma coisa só. Mas estão no corpo todos os indícios.
Desta vez acordei com menos. Ou acordei normalmente, mas senti a energia que me foi tirada logo de manhã.
- O dono do hotel quer falar com você - chamou-me um funcionário do albergue, tão logo saí do meu quarto.
E já foi me levando, assim desavisada, para o hotel ao lado, onde fiquei hospedada em meus primeiros dias. Cheguei chateada pela maneira brusca com que fui abordada e confesso que um tanto preocupada, mesmo sem ter motivo para isso. O velho medo de professores e síndicos.
Ele queria apenas que eu adiantasse o pagamento. Ainda tentou somar dois dias a mais ao meu cálculo e, quando fiz questão de contar dia por dia, ironizou:
- Você pode fazer as contas de uma vez. Você estuda na BHU!
Feitos os cálculos e definido o justo valor, ainda tive que esperar a máquina do cartão funcionar. Os planos que eu tinha feito para a manhã, dissolvendo-se junto com o tempo tão escasso que me resta em Varanasi.
- Shanti, shanti! - ele dizia, pedindo paciência.
Mas é que, quando você não está calma, pedir calma é muito pior. Saí furiosa. E depois, quando fui cuidar da vida, já havia sido afetada pelas desagradáveis horas perdidas.
Então me sentei em um ghat próximo de casa. Precisava recuperar a energia perdida, mas, não sei por que instinto, fiz o contrário de me proteger. Falei com todo mundo que veio me cumprimentar, sem me perguntar quais eram suas intenções. E, talvez porque o universo sempre saiba uma resposta certa pra te dar, aconteceu de virem com pureza, todos que se aproximaram.
Sorri para quem quer que passasse. E depois sorria de novo, pela alegria de seus sorrisos, como em um jogo de espelhos.
Uma estrangeira aproximou-se e me pediu para posar para uma foto, segurando um cartaz de felicitações a sua irmã. Concordei alegremente.
Dei esmolas a todos os mendigos que passaram por mim. E também dei dinheiro ao senhor que manipulava uma marionete. Mal chegava a ser um espetáculo, em sua simplicidade. Mas já era bonito ele não usar seres vivos, como tantos o fazem para sobreviver.
E depois encontrei o falso baba, que me chamou a tirar uma foto com ele. Fui e ficamos brincando e então apareceu Kjala, minha amiga fadinha, que se juntou a nós. Fazia tempos que não a encontrava e fiquei tão feliz. Comprei seus cartões postais apenas porque gosto dela. Eram vinte rúpias, mas dei-lhe cem.
No fim do dia, voltei para casa mais leve. Senti no corpo: a respiração e o passo. E a vontade de viver. Estava cansada. Mas, ah, a força.
Existe uma matemática estranha que faz com que se receba quanto mais se dê.
Ou apenas o que eles tinham para trocar fosse muito maior e mais valioso do que tudo o que eu tinha.

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