terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

De dentro do restaurante, eu observava a passagem dos filhotes. Um, ou dois, deles passava de cá pra lá.
- Não sei se é o mesmo, pois são todos iguais, não sei diferenciar.
Certamente nenhum deles era o adoentado, que eu distinguia pelas costelas à mostra. Fiquei vigiando. Precisava me certificar de que continuavam sendo três. Quatro, com a mãe. Ela passava de vez em quando e eu cumprimentava-a, mesmo que ela, fora do restaurante, não me pudesse escutar:
- Oi, mamãe!
Depois acabei de almoçar e fui conferir o paninho dos cachorros, que lhes servia de cama. Estava vazio. Teria que procurá-los pelas ruas. Não seria complicado, pois eu conhecia seus trajetos e os paradeiros possíveis.
Fui andando pela rua, olhando para os lados, espreitando. Estranho que tudo estivesse vazio. Cheguei à avenida principal e parei à esquina. O vendedor de samosa me ofereceu:
- Quer uma samosa?
- Samosa? Não, obrigada.
Continuei parada e acho que ele entendeu, quando permaneci olhando-o com olhos interrogativos, porque respondeu à minha dúvida:
- Ele morreu.
- Morreu?
- Há dois dias.
- O cachorrinho morreu? Há dois dias?
- Sim, ele morreu há dois dias.
- E os irmãos? Os dois irmãos estão vivos, né?
Ele acenou que sim.
Então eu fui para casa com os olhos marejados, mas me esforçando para focar no caminho, para acertar o passo, para não deixar transparecer que eu falhara em cuidar de um dos primeiros seres que amei na cidade. E, sobretudo, focada em não me deixar ser invadida por um sentimentalismo tão barato quanto verdadeiro.
Até que cheguei em casa, tranquei a porta, sentei-me no banheiro e desabei. Chorei a morte de um cachorro pelo qual eu nada fizera, senão escolher.
É que quando escolhemos um ser - dei-me conta de súbito - não o protegemos de nada, senão de uma existência desapercebida. Mas qualquer existência é ainda frágil, ainda arriscada, ainda vulnerável a ameaças. Inclusive a da não existência.
E tudo continua existindo e deixando de existir, apesar dos amores.
Mas ainda bem que: os amores.
Enxuguei o rosto, acendi um incenso e me preparei para a noite. Porque depois dela, mais um dia viria e então e então.
É a vida que nos escolhe.

3 comentários:

Paulo Francisco disse...

E a vida continua...
beijogrande

Taís Carolina Seibt disse...

Lian! Seus textos são poesia! Uma fonte de inspiração todos os dias! Amo ler seu blog! Amo as suas viagens e experiências! Viajo sempre junto com você! Se cuida aí, prima querida!

Prima, qual o seu email? Poderias me passar? O meu é taiseibt@gmail.com.

Até quando você ficará na Índia? Beijos!

Clarice disse...

As cicatrizes que os animais nos deixam são dolorosas, mas eles são também uma alegria.
Volte a escrever, menina!
Grande abraço.

Escolher as cervejas? Rs Isso engorda?