quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Certa vez, quando eu virava a noite com um grupo de amigos sobre a Pedra da Gávea, eis que apareceu um objeto misterioso a voar no céu. Era algo luminoso, que se movia lentamente. O que seria? Começamos a divagar. Estávamos no âmbito do sonho e da mágica, quando uma das pessoas do grupo nos interrompeu:

- É um balão. Dá pra ver claramente. 

E pronto. Estava respondido. 

Confesso que fiquei um tanto decepcionada. O encantamento precocemente interrompido por uma resposta sensata.

Eu gosto de saber o que tem do lado de lá.

Mas sempre prefiro as perguntas às respostas. E prefiro a travessia à chegada.

Aqui, tenho identificado as pontes. Uma de cada lado, bem pra lá dos últimos ghats. Costumava ficar olhando-nas e fazendo planos de travessia. Em uma delas, eu podia ver muitos carros e, na parte de baixo, um trem. "Será que é possível cruzá-la a pé?" - perguntava-me sempre. Um dia perguntei a alguém e me disseram que não. Do outro lado, via-se ao fundo a outra ponte. Partida, porém. "Mas sob ela há uma outra, flutuante" - informaram-me. Seria ela, desde então, minha menina dos olhos.

Saí pela manhã de sol, junto com um companheiro de jornada. Tínhamos essa missão: uma travessia. Enquanto andávamos , encontramos um amigo espanhol, que tem o conhecimento de muitos anos vividos em Varanasi. Era uma das pessoas que me deram informações sobre as pontes, quando eu pesquisava as possibilidades.

- Posso te levar até o outro lado de moto. - ele oferecera - É muito mais fácil.

Mal sabia ele que eu não me interesso pelos caminhos fáceis.

Eu me interesso pelos caminhos.

Por isso, quando o encontrei e anunciei que pretendíamos atravessar a ponte a pé, ele respondeu:

- Vocês são loucos!

- Por quê? Não é possível?

- Possível tudo é. Mas vocês são loucos.

Então seguimos loucos e ainda mais decididos.

Passamos do Assi Ghat, o último. Atravessamos o terreno de barro até chegar a um parque amplo e bonito, que pela primeira vez eu encontrava aberto. Entramos. Saímos. Chegamos ao Assi River, que deságua no Ganges. Passamos para o outro lado.

E alcançamos uma Varanasi que só Varanasi conhece, ignorada pelo mundo. Um lugar onde não se fala inglês e não se vê nenhum estrangeiro. Onde se encontra casas tortas e caídas. Porcas imensas com seus filhotes. E crianças que nos olhavam com assombro absoluto, como se fôramos de outro planeta. Meio que éramos.

Seguimos pelo terreno acidentado ao longo do rio, pulando obstáculos e sujando os pés de barro.

- É nossa trilha do dia - dizia meu amigo.

De vez em quando, uma barreira maior:

- Será que dá pra passar?

Passávamos.

Assim fomos até chegar à ponte.

E, como se o tempo recuasse à medida que avançávamos, de repente me vi criança fascinada alegre saltitante exclamativa. Cruzei a ponte espantando-me a cada passo: "Olha, estamos na ponte! Que incrível, nem acredito! Estamos atravessando! Que legal! Tem uma cabaninha do lado de fora, você vê? Eu quero conhecer a cabaninha, vamos pular!"

Saltamos, em meio aos olhares dos indianos que passavam e das inúmeras buzinadas. Depois voltamos para a ponte, completamos a travessia e chegamos a um forte imenso. Sentamo-nos à sombra ali dentro, onde descansamos um pouco, até chegarem grupos e grupos de adolescentes, que se revezavam para tirar foto conosco.

- Vamos procurar um lugar para comer? - propus, já morrendo de fome.

- Acho que não vamos encontrar restaurante. Não como estamos acostumados.

- Não queremos o que estamos acostumados. Senão nem estaríamos aqui. Mas restaurante com certeza vai ter.

Eu estava enganada. Não tinha.

Depois de muito caminhar, pegamos um tuk tuk de volta. Estávamos sujos, esfomeados e cansados. Mas a missão fora cumprida.

Quando se atravessa uma ponte, ganha-se muito mais do que o lado de lá.

Não me interessa saber dos balões, se eu não puder flutuar.

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