quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Aqui, onde se busca a morte.

Da primeira vez em que vim, soube da existência de hotéis em que, se o hóspede não morresse em três meses, ou algum outro prazo qualquer, ele deveria deixar o local. Foi uma das coisas mais estranhas da qual já tinha ouvido falar. 

A morte em Varanasi é auspiciosa. E aquele que aqui realiza a passagem libera-se, segundo a crença hindu, do ciclo de vida e morte. 

Li várias coisas sobre o assunto. Daqueles que, velhos, vinham passar seus últimos dias aqui. E dos casos de pessoas que, já à espera da morte em Varanasi, resolviam fazer uma viagem rápida a outro lugar qualquer. E acabavam morrendo por lá. Mau carma.

O ideal é não sair, dizem.

Mas há também os jovens que vêm de longe e que não saem.

Eles vêm para ficar três, quatro dias. Vêm para ficar duas semanas. E acabam presos na roda do tempo, dos dias infinitos, dos saberes, da passagem das águas.

Encontram um guru para seguir. Um instrumento para aprender. Um grupo de amigos com quem se unir. Ou ficam nas filas de espera para os trens que nunca têm vagas. Ou deixam-se hipnotizar pelo rio.

- Toda vez que vejo o rio... eu não consigo ir embora. - dizia uma garota que ficava.

Então eu recordo um monólogo em que Fernanda Montenegro faz o papel de Simone de Beauvoir. Eu adoro o nome dessa peça: "Viver sem tempos mortos". A ideia de uma vida da qual cada pedacinho é preenchido de vida verdadeira, plena.

Uma vida na qual estamos acordados o tempo inteiro.

É essa a vida em Varanasi.

E por isso as pessoas vão ficando. Semanas. Meses. Nessa cidade que nos segura. Da qual não se sai.

E eu fico pensando que o ideal é ir embora antes que a morte nos agarre. Para garantir a não-libertação do ciclo de vida e morte. E voltar. Voltar quantas vezes for preciso. E viver. Viver. Viver. Sem tempos mortos.

Aqui, onde se busca a vida.

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