terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Há alguns anos que tenho dado mais importância à virada do ano chinês do que ao nosso Réveillon. Isso porque o horóscopo chinês tem sido certeiro em explicar cada período que vivo, pelo menos desde que comecei a prestar atenção. E é nessa época que a energia do meu ano realmente muda, não no primeiro de janeiro.
O ano do dragão foi violento de maneira surpreendente e positiva. Muitas novidades, eventos, transformações. O ano da serpente me conduziu ao lado escuro. Fui obrigada a encarar um lento e árduo caminho pelas minhas profundezas. No ano do cavalo, as profundezas vieram à superfície, fazendo ruir todas as falsas estruturas. Entramos no meio do furacão e saímos com a lição de que não controlamos nada. Doeu menos para quem não ofereceu resistência. E agora, nós, que chegamos vivos (tantos não chegaram), entramos no ano da cabra.
O que devemos esperar? - tanta gente tem me perguntado. Honestamente não sei. Fala-se em tranquilidade ou em paz. E eu até acredito em alguma paz, mas não essa do que se cala ou que se esconde. Eu não acredito na paz da ausência de conflito (a negação completa do conflito é o totalitarismo) e nem imagino que alguma coisa vá voltar ao seu lugar.
Daqui pra frente é um caminho tão vasto, que não sei o que esperar. Sei que o que mexeu foi mexido e que haverá uma nova ordem. Outra. E que tudo que é novo tem sua parcela de desconforto. E que será bonito se a gente souber andar de mãos dadas com ele.
Respondo, então: Não sei de nada. Mas comecei o ano da cabra em Varanasi, veja só, e talvez para mim essa seja a forma mais clara de não ter clarezas. Como eu preveria um ano atrás que em dezenove de fevereiro eu estaria aqui, vivenciando a pequenez humana perante a grandiosidade do acaso?
E foi assim, sem saber de nada, que eu decidi que o novo ano merecia uma celebração. Convidei meu companheiro de língua ("different countries, same language") e fomos nós comprar cordões de flores e procurar cabras para participarem de nosso ritual inventado.
Compramos daqueles cordões enormes de flores amarelas:
- São malas. - expliquei-lhe - Devem ter cento e oito flores.
Recusei o saquinho de plástico oferecido pelo vendedor, resolvendo que iríamos usá-los no pescoço mesmo.
- Mas vão pensar que somos turistas. - replicou meu amigo.
- Não importa. Estamos na Índia, somos livres.
E fomos, livres, procurar nossas cabras parceiras.
- Do lado de lá, conheço cabras bem sociáveis, mas é um lugar onde sempre tem muita gente. Do outro lado, as cabras são mais medrosas, mas o lugar é sossegado.
Optamos pelo sossego e caminhamos até encontrar duas cabras que comiam lixo por aí.
O plano era: cada um coroaria seu animal com um cordão de flores, prostraria-se diante dele e faria sua oração.
O que aconteceu: as cabras começaram a comer as flores antes que estas fossem ajeitadas em seu pescoço e em seguida saíram correndo, sem que conseguíssemos estabelecer contato.
- Está tudo bem. - dei de ombros - Pelo menos alimentamo-nas. Agora a gente senta na escada e cada um faz sua oração em voz baixa.
Assim foi.
Começa o Ano da Cabra e a única coisa que sei é que ela me escapa.
E que há beleza - tanta - na nossa falta de poder diante dos vastos caminhos.

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