terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

- Não se troca de guru - repreendeu um indiano quando um amigo contou que estava com seu terceiro professor de sitar. - A nossa cultura é assim, não é uma relação comercial, é uma relação pra vida toda.
Admito que, pelo uso que se faz no ocidente, acabei tendo certa relutância com a palavra "guru". Não gosto da ideia de seguir e cultuar algum suposto iluminado.
Mas aqui na Índia é bem diferente. Guru é simplesmente seu mestre. Seja espiritual, artístico ou relacionado a qualquer conhecimento. E ser mestre de alguém é como ser pai. Há uma consideração mútua que em muito ultrapassa as nossas relações profissionais.
Sempre admirei o percurso do meu próprio pai, que teve um grande mestre de pintura. Um mestre chinês, que se aproxima bastante da lógica do guru indiano. Meu pai passou um ano apenas limpando o ateliê de seu mestre, até ser aceito oficialmente como discípulo. Uma vez aceito, foi-lhe passado todo conhecimento e todas as técnicas. Mas não apenas. Passa-se a pertencer a uma linhagem: uma família.
Escolher um guru é um ato de fé. Você planta a semente e acredita nos frutos.
Escolhi o meu em um contexto que muito me fazia sentir, só não parecia fazer sentido. Eu o vi apresentar-se em um concerto e decidi que ele era a pessoa que podia me conduzir a algo que eu chamaria de deus.
Combinamos que ele me ensinaria meditações vocalizadas. Mantras, basicamente. E confesso que, em nossa primeira conversa, tive uma grande decepção. Enquanto ele tentava negociar um valor que lhe fosse mais vantajoso, percebi que ele era humano.
Mas não era isso que eu queria? Um humano, apenas?
E eu, que não acreditava em seres iluminados, me vi nessa armadilha. No fundo, lá no fundo, a gente espera um salvador.
E todos os dias em que estou com ele eu confio e desconfio.
- Como você se sente? - ele pergunta.
- Eu me sinto ótima.
E sinto. Eu sempre me sinto ótima após um tempo recitando os mantras. Mas aí ele começa a falar. Tenta me vender uma coisa qualquer, diz como sou sortuda de encontrar alguém que saiba me ensinar os sentidos dos mantras, coisas do tipo. E eu fico olhando aquele ser demasiado humano e tentando me lembrar de que todo ser sempre tem algo a ensinar.
- Não há caminho pela sombra - disse certa vez um amor antigo.
Mas eu discordo.
E sigo pelo claro-escuro das pessoas imperfeitas. É aceitando sua sombra que enxergo sua luz.
Eis que um dia, então, reconheço: tenho um guru.
Entre todos os outros.

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