quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

Peguei o ônibus para São Paulo e dormi quase o trajeto inteiro, pois havia passado a noite em claro. Nos breves momentos em que abria os olhos, via uma garotinha me espiando entre as poltronas. Ela sorria para mim, eu retribuía o sorriso e adormecia novamente.

Quando estávamos próximas de chegar, ela foi se aproximando e puxando assunto. Seu nome era Jéssica, tinha 9 anos de idade e estava viajando com a mãe e dois irmãos, para passar o Natal com a família, em São Paulo. Havia nascido lá, mas já morara na Bahia, no Recife e no Rio. Seu sotaque era "todo misturado", nas palavras dela mesma.

A garota me contou que todo ano pedia ao Papai Noel uma boneca e que já tinha o quarto cheio delas. E confessou que se chateava quando a mãe doava alguma de suas bonecas antigas. Então a mãe, entrando na conversa, explicou que a boneca em questão já não tinha um olho e um braço. "O olho e o braço eu mesma arranquei, mas outra menina comeu a mão e um pé", a garota me explicou. Um casal de senhores começou a rir e comentou que aquilo era antropofagia e que a situação da boneca era realmente trágica.

- Eu tenho um beliche. Eu durmo no andar de baixo e minhas bonecas ocupam todo o andar de cima. Elas falam o tempo inteiro. Eu nem consigo dormir, pois elas não param de falar. Eu mesma já não falo pouco...

- Ah, aí você fica conversando com elas durante a noite? - eu ri.

- Não, elas nem me deixam falar. Elas conversam muito.

A conversa ia por esse caminho, até ela começar a falar do pai:

- Lembra que no início da viagem eu estava chorando?

Eu não lembrava.

- Eu chorei porque ele não pôde viajar com a gente.

Nesse momento me ocorreu um flashback. Eu não lembrava de vê-la chorando, mas me lembrei de ouvir uma voz (sua mãe) dizendo-lhe que ainda poderia desistir da viagem e ficar com o pai. Perguntei:

- Por que ele não pôde vir? Está trabalhando?

- Não. O problema é esse. Ele está sem trabalho. Então ele comprou as nossas passagens e não deu pra comprar a dele.

Então olhei para aquela garotinha e pensei que tudo que posso desejar para o próximo ano é que ela e outras Jéssicas possam passar o Natal com toda a família.

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