Lembro de um texto do Rubem Alves em que ele contava que teve uma infância simples e muito feliz. Até que se mudaram de cidade e ele foi matriculado em uma escola de classe média alta. Lá, começou a fazer comparações. E se tornou pobre, por isso. E infeliz.
Pois meu plano inicial para Varanasi era ficar hospedada no hostel que eu já conhecia. Os quartos eram simples e não havia nada demais ali, além de espaços abertos e vista para o Ganges. Mas era essa vista meu sonho de consumo. Fiz os cálculos: gastaria exatamente metade da minha bolsa mensal só com hospedagem. Mas era um plano possível, já que o custo de vida aqui é baixo e eu gastaria pouquíssimo com alimentação.
Porém, como não havia quartos disponíveis quando cheguei, fiz uma reserva de dez dias em outro semelhante, por perto. Mais pra frente me mudaria para o primeiro e, até lá, iria me virando.
E até que o lugar onde vim parar não é mau. Também fica às margens do rio. Eu lamentava apenas que a minha janela desse, não para fora, mas para um pátio central, de forma que eu tinha que mantê-la fechada o tempo inteiro, para ter privacidade no quarto.
Mas aí comecei a viver. Conversar com as pessoas. E descobri que o preço que eu pagava era irreal.
E depois conheci viajantes que alugavam apartamentos em uma das pontas do rio e pagavam dez vezes menos. Fui visitá-los. Eram apartamentos simpáticos, com uma linda vista da laje do prédio. Sim, em Varanasi, como no Rio de Janeiro, nós adoramos lajes: os famosos rooftops. Mas havia os inconvenientes: a energia elétrica acabava diariamente (“é assim que a população aqui vive” – me disse uma garota, explicando que nos albergues só tínhamos energia sempre graças aos geradores), não havia água quente ou internet ou banheiro nos quartos.
E, sim, é mesmo assim que grande parte dessas pessoas vive.
Então me senti mal pela vida que eu levava. De repente tudo aquilo me parecia meio irreal: a água quente, a energia elétrica, o conforto. E, como no caso de Rubem Alves, mas ao contrário, eu subitamente me descobria rica. E o engraçado era que aquilo fazia com que eu me sentisse mais pobre. E infeliz.
Tudo por comparação.
Saí daqueles apartamentos confusa, tentando decidir meus próximos passos. Tentei me imaginar com outra rotina, entrando em apartamentos escuros, fervendo água para tomar banho, procurando cafés com WiFi para baixar textos ou mandar e-mails.
Confesso: não consegui.
Voltei ao albergue onde estava e conversei com o gerente.
Chegamos a um acordo: eu me mudaria para o prédio vizinho, do mesmo dono, pagando quatro vezes menos. Mas, até que aqueles quartos desocupassem, eu apenas iria para um menor, no mesmo lugar.
Arrumei minhas malas e cheguei ao quarto novo. Ainda tenho tudo o que preciso, mas com muito menos espaço. E o engraçado: gostei bem mais dele. Agora tenho uma janela que posso abrir. E, por ser pequeno, também é mais quentinho, ali.
Talvez por haver mais luz, de repente olhei para o espelho e reparei nas marcas na minha pele. E percebi que fazia tempo que não me olhava, assim de fora para dentro. E que não sabia se emagrecera ou engordara, por exemplo. E que aquilo era bom.
Porque às vezes estar pleno trata-se apenas de parar de se julgar pelo parâmetro do outro, seja pelo mais ou pelo menos.
E encontrar sua própria medida.
Pois meu plano inicial para Varanasi era ficar hospedada no hostel que eu já conhecia. Os quartos eram simples e não havia nada demais ali, além de espaços abertos e vista para o Ganges. Mas era essa vista meu sonho de consumo. Fiz os cálculos: gastaria exatamente metade da minha bolsa mensal só com hospedagem. Mas era um plano possível, já que o custo de vida aqui é baixo e eu gastaria pouquíssimo com alimentação.
Porém, como não havia quartos disponíveis quando cheguei, fiz uma reserva de dez dias em outro semelhante, por perto. Mais pra frente me mudaria para o primeiro e, até lá, iria me virando.
E até que o lugar onde vim parar não é mau. Também fica às margens do rio. Eu lamentava apenas que a minha janela desse, não para fora, mas para um pátio central, de forma que eu tinha que mantê-la fechada o tempo inteiro, para ter privacidade no quarto.
Mas aí comecei a viver. Conversar com as pessoas. E descobri que o preço que eu pagava era irreal.
E depois conheci viajantes que alugavam apartamentos em uma das pontas do rio e pagavam dez vezes menos. Fui visitá-los. Eram apartamentos simpáticos, com uma linda vista da laje do prédio. Sim, em Varanasi, como no Rio de Janeiro, nós adoramos lajes: os famosos rooftops. Mas havia os inconvenientes: a energia elétrica acabava diariamente (“é assim que a população aqui vive” – me disse uma garota, explicando que nos albergues só tínhamos energia sempre graças aos geradores), não havia água quente ou internet ou banheiro nos quartos.
E, sim, é mesmo assim que grande parte dessas pessoas vive.
Então me senti mal pela vida que eu levava. De repente tudo aquilo me parecia meio irreal: a água quente, a energia elétrica, o conforto. E, como no caso de Rubem Alves, mas ao contrário, eu subitamente me descobria rica. E o engraçado era que aquilo fazia com que eu me sentisse mais pobre. E infeliz.
Tudo por comparação.
Saí daqueles apartamentos confusa, tentando decidir meus próximos passos. Tentei me imaginar com outra rotina, entrando em apartamentos escuros, fervendo água para tomar banho, procurando cafés com WiFi para baixar textos ou mandar e-mails.
Confesso: não consegui.
Voltei ao albergue onde estava e conversei com o gerente.
Chegamos a um acordo: eu me mudaria para o prédio vizinho, do mesmo dono, pagando quatro vezes menos. Mas, até que aqueles quartos desocupassem, eu apenas iria para um menor, no mesmo lugar.
Arrumei minhas malas e cheguei ao quarto novo. Ainda tenho tudo o que preciso, mas com muito menos espaço. E o engraçado: gostei bem mais dele. Agora tenho uma janela que posso abrir. E, por ser pequeno, também é mais quentinho, ali.
Talvez por haver mais luz, de repente olhei para o espelho e reparei nas marcas na minha pele. E percebi que fazia tempo que não me olhava, assim de fora para dentro. E que não sabia se emagrecera ou engordara, por exemplo. E que aquilo era bom.
Porque às vezes estar pleno trata-se apenas de parar de se julgar pelo parâmetro do outro, seja pelo mais ou pelo menos.
E encontrar sua própria medida.
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