Alguns anos atrás e muito antes de chegarmos nesse ponto da história, um dia ele entrou em minha casa, no Rio de Janeiro, e observou:
- Olha, Lian, tem um preguinho aqui! Você pode pendurar alguma coisa!
Retruquei sem pensar duas vezes:
- Eu não!
Ele ficou um pouco frustrado com minha resposta brusca, e eu expliquei:
- Você pensa que eu sou a maluca penduradora? Que não pode ver um preguinho, que já tem que pendurar alguma coisa?
- Não... Eu disse isso... porque você gosta de coisas coloridas... E também... porque você é feliz!
Ele realmente pensava que eu era uma maluca penduradora.
E talvez eu fosse.
Eu sei que acho graça das tantas malucas que podemos ser.
Pouco tempo atrás, ainda antes de vir para a Índia, passei pela fase da maluquice das águas. Trouxe uma garrafa d'água energizada de Abadiânia, e uma amiga querida explicou que, se eu misturasse um pouco dela com mais água, tudo aquilo ficaria energizado. Gostei dessa história da reprodução das águas e, quando vi, mantinha seis, sete garrafas cheias no quarto.
Um dia achei que era maluquice demais e joguei tudo fora.
Aqui em Varanasi encontrei em mim uma maluca que não pensava existir: a maluca das roupas.
Não consigo entrar no banho sem aproveitar para lavar alguma roupa. E há sempre alguma de molho no balde, sem contar as tantas penduradas no varal que atravessa meu quarto.
As roupas do balde são sempre uma desculpa pra quem tem a natureza escorregadia, de entrar em cada lugar procurando a porta de saída.
- O que você vai fazer agora? Conheço um lugar ótimo que...
- Não posso. Tenho que tirar as roupas do molho.
E lá vou eu.
Cada lugar e cada pessoa desperta em nós uma maluquice. Aqui eu tenho as roupas e os bichos e os chás.
E, finalmente, a maluca que despertou em mim nos últimos dias: a maluca da comida. Nada tão novo para quem nasceu com o sol em touro. Mas é que desta vez tem uma intensidade diferente.
Costumam ser comidas específicas: o Malai Kofta com arroz japonês do restaurantezinho de sempre e o roll de ovos com vegetais do carrinho na rua.
Hoje acordei péssima depois de uma noite resfriada e não dormida. Passei o dia meio fraca, meio tonta, meio congestionada, de olhos cansados lacrimejantes. Tive um dia meio bom, no limite do que pode ser bom, quando seu corpo está mal. E encerrei a noite com um roll no carrinho do ghat principal.
A lua começara a minguar, mas ainda estava redonda no céu. E amarela, por trás da árvore seca. Eu podia vê-la, enquanto saboreava minha comida, que hoje estava mais condimentada do que o normal. E eu não conseguia senão suspirar de prazer a cada mordida.
E era a lua. E era o sabor. E era a textura.
E era tão bom que em um dia assim, em meio ao cotidiano e à vida na rua, em meio a um resfriado chato e um quase mau humor, eu fosse transportada à lua só por comer um enroladinho de ovos com legumes.
E é tão bom que às vezes uma porta muito pequena tenha este poder: transformá-la, por um dia, na maluca do prazer.
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