quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Encontramo-nos em uma esquina e decidimos andar juntos. 

Era sábado. E era Vasant Panchami, o festival que celebra a chegada da Primavera. Havia palcos montados pela cidade inteira, me informara um casal de israelenses. Seria um dia de música. E era, sobretudo, um dia de sol.

Traçamos o plano. Primeiro, caminhar pelos ghats reconhecendo crianças. Eu mandara imprimir os retratos que fizera por aí, para entregar-lhes, quando as encontrasse. Depois descobriríamos onde aproveitar o festival. Queríamos saber onde estaria a melhor música, já que, disseram, era uma festa musical.

Caminhamos ao longo do rio e, pela primeira vez desde que cheguei, senti calor. Tirei o poncho e andei mais leve. E leve era quase tudo, em um dia com sol e com crianças. Não encontrei nenhuma daquelas, do retrato. O que não fazia mal, já que reconhecer pessoas é questão de tempo. E tempo é a própria matéria do reconhecimento.

Então fomos comer e começamos uma longa discussão sobre quem somos e a que viemos. Falávamos sobre as grandes verdades. E eu não entendia muita coisa do que ele dizia, pois mal sei de coisas grandes. Muito menos de verdades. Tinha algo a ver com evolução espiritual. Eu, à minha maneira: Você está dizendo que existe evolução, em escala valorativa? Você está dizendo que existem hierarquias? Você está dizendo que temos um lugar aonde devemos chegar?

E ele explicando que não, não era assim, não era isso, não era aquilo.

Mas contava do quanto somos colonizados, escravizados, enganados, intoxicados. Em tal nível que talvez nunca possamos nos dar conta, mas que a condição em que fomos colocados nos impede de uma plena realização do nosso potencial humano. E que o caminho possível para a libertação é o conhecimento da verdade.

E, porque falávamos em verdade, vinha-me essa música, de Paloma Faith, à cabeça: “Do you want the truth or something beautiful?”, cujo título sempre me atraiu mais do que a própria canção.

Fico me perguntando se qualquer beleza não pode ser, ela mesma, uma forma de verdade.

Depois fomos procurar um rumo para curtir o festival. Andávamos por aquelas ruas, quando um moço mostrou um folheto sobre algum concerto que começaria em quinze minutos. Resolvemos segui-lo. Pegamos um tuk tuk e fomos, em meio à cidade ainda mais lotada do que costuma ser. Chegamos a uma ruazinha escondida. Era uma casa grande, em cuja porta deixamos os calçados, e fomos levados a um amplo salão.

Lá, esses dois músicos. Um que tocava tabla e outro que tocava sitar. Tenho ido a outros concertos do tipo, mas esse... não sei explicar. Palavras não bastam quando entramos no campo da arte. Aí misturam-se verdade, beleza, amor. Todos os conceitos que debatemos por horas de repente nos jogados, como um tapa na cara.

Era belo. E era amoroso. E era verdadeiro.

Fui embora ainda hipnotizada, observando o carnaval que se formava na rua. Eram desfiles, shows, bandas, buzinas e luzes. Era uma multidão de gente alegre por todos os lados. Parecia quase irreal, não fosse a liberdade de acreditar em todos os níveis de realidade. As inventadas, também.

E mesmo em meio a toda a festa, acho que ninguém naquele momento era mais feliz do que eu. Mais grata. Mais plena.

Segui pensando que mesmo ludibriados, explorados, dominados.

Mesmo limitados, pequeníssimos.

Mesmo não atingindo um centésimo de nossa potência.

Já é um tanto.

Tanto.

É quase descabido transcender.

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