O barco está lá há dias, no rio em frente ao templo. Eu passava sempre e via o guru fazendo pregações. A multidão de pessoas sentadas na escadaria, prestando atenção, cantando junto, batendo palmas e levantando os braços em louvor.
Desta vez resolvi me sentar em meio a todas aquelas mulheres de saris e ficar ali a escutar, seja lá o que o guru estivesse dizendo. Habituei-me a ignorar palavras e escutar o não-dito. Tem sido minha forma central de comunicação.
Quedei-me ali não sei por quanto tempo. Às vezes perdida na sonoridade da língua, às vezes apenas observando as pessoas. Uma velhinha amparada por dois homens, com cara de espanto e desespero. O que quereria ela? Traziam-lhe panos e panos, não entendi bem por quê. O moço que insistia em varrer o chão, mesmo a poeira sendo infinita. Os meninos entediados, que implicavam uns com os outros, procurando alguma forma de brincadeira.
Até que: uma mulher que dançava.
Em meio a todos, ela dançava. Talvez eu fosse a única pessoa que observava aquela dança assim boquiaberta, em meio àquele povo habituado a se expressar livremente, sem dedos ridicularizantes apontados.
Mas era-me tão bonito que, ali, em meio à celebração, ela dançasse. E ela girava e girava, levantava os braços e depois aproximava-os do rosto, fazendo mudras. E depois limpava os olhos e parecia chorar, para em seguida entregar o gesto, oferecendo as mãos aos céus. Então ela abria e fechava as mãos, como se tivesse castanholas e voltava a girar.
Nietzsche já dissera que não acreditava em um deus que não dança. Pois eu juro que vi uma mulher conectada com o divino. E ela não dançava para ninguém, ou para nenhum olhar. É que naquele momento cabia a uma mulher de meia idade a dança cósmica, esse grande segredo do universo.
O guru dizia coisas e cantava. A multidão acompanhava batendo palmas. E lá no meio, a presença divina. Não das divindades que mandam, criam regras ou ordenam. Mas as divindades dançantes e caóticas. Essas, infinitas.
Nietzsche tinha razão.
Eu vi deus e ele dançava.
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