Chegadas e partidas. Tudo parte da vida. E morte. Parte também. E partos. Ausências. Encontros. Desencontros e despedidas.
É assim em todo lugar.
Mas é que em Varanasi é quase palpável, a efemeridade.
Começam pelos corpos que passam carregados pelas ruelas todos os dias. Os corpos que queimam nas piras. Os que bóiam no rio.
E, quando você se dá conta, está andando entre eles com naturalidade.
A morte existe. Você a aceita.
- Ontem foram quinhentos e cinqüenta corpos cremados na cidade. – me contou um homem outro dia.
- Quinhentos e cinqüenta só ontem? Só aqui?
- É que no inverno morrem mais pessoas, por causa do frio. No verão também, por causa do calor.
Mas inverno não é apenas época de morrer gente. É também época de nascer cachorro. São muitos os filhotes. Gritam em desespero, em bandos, perseguindo a mãe cadela cansada. Formam montinhos para se aquecer. Deitam-se com os outros bichos, incluindo o homem, em torno de fogueiras ou sobre qualquer brasinha que encontram. E, quando crescem um pouco, correm por aí, serelepes e fofos. Despedaçam pombos. Esticam-se ao sol.
Hoje passei por um montinho desses e acho que foi a terceira vez em que me aconteceu: um deles parecia-me estranho. Os dentes arreganhados, os olhos entreabertos.
- Está morto – pensei.
E fiquei ali parada, por uns minutos, sem coragem de cutucá-lo para confirmar. Ele estava imóvel. Os de cima tremiam de frio. Pensei no que poderia fazer pelos vivos. E não fiz nada. Apenas passei.
Depois entrei no Niyati Café, um restaurante que descobri há poucos dias e elegi como mais um “de sempre”. Comida suave no limite de suavidade que uma comida indiana pode ter. Uma sopa e um chá. E a conta, por favor.
- Como está sua pesquisa? – o homem do restaurante me perguntou.
- Está muito bem, obrigada. – respondi confusa, pois não me lembrava de ter lhe falado o que fazia aqui.
- O André me contou que você está fazendo uma pesquisa com turistas.
- Ah, sim.
Peguei o troco e comentei:
- Estive aqui ontem e antes de ontem. Mas o restaurante estava fechado.
- Foi por causa do meu sobrinho. O coração dele parou.
- Ah... mas ele está melhor?
- Não. O coração dele parou, entende? Ele morreu.
- Ah, sinto muito.
Ele balançou a cabeça daquele jeito indiano. E eu fui embora me perguntando quem era André.
Então me lembrei. Um suíço que conheci tempos atrás em outro restaurante. Era a décima quinta vez que ele vinha à Índia. Conversamos sobre espiritualidade. Na saída, falei-lhe:
- Até mais. Provavelmente a gente ainda se cruza por aí.
- Espero que sim – ele respondeu – Eu nem gosto de falar com não-indianos. Mas gostei muito de conversar com você.
E depois, quando o encontrei de novo, foi ali, na frente do Niyati Café. Eu passava pela rua, e ele, que almoçava no lugar, correu para a porta do restaurante para me cumprimentar. Chamou-me pelo nome e contou que iria embora no dia seguinte. Ficamos ali parados, por uns minutos, porque não tínhamos mesmo assunto. Mas também porque enxergamos naquele momento a efemeridade do encontro.
É assim em todo lugar. Mas Varanasi nos faz apalpar.
É assim em todo lugar.
Mas é que em Varanasi é quase palpável, a efemeridade.
Começam pelos corpos que passam carregados pelas ruelas todos os dias. Os corpos que queimam nas piras. Os que bóiam no rio.
E, quando você se dá conta, está andando entre eles com naturalidade.
A morte existe. Você a aceita.
- Ontem foram quinhentos e cinqüenta corpos cremados na cidade. – me contou um homem outro dia.
- Quinhentos e cinqüenta só ontem? Só aqui?
- É que no inverno morrem mais pessoas, por causa do frio. No verão também, por causa do calor.
Mas inverno não é apenas época de morrer gente. É também época de nascer cachorro. São muitos os filhotes. Gritam em desespero, em bandos, perseguindo a mãe cadela cansada. Formam montinhos para se aquecer. Deitam-se com os outros bichos, incluindo o homem, em torno de fogueiras ou sobre qualquer brasinha que encontram. E, quando crescem um pouco, correm por aí, serelepes e fofos. Despedaçam pombos. Esticam-se ao sol.
Hoje passei por um montinho desses e acho que foi a terceira vez em que me aconteceu: um deles parecia-me estranho. Os dentes arreganhados, os olhos entreabertos.
- Está morto – pensei.
E fiquei ali parada, por uns minutos, sem coragem de cutucá-lo para confirmar. Ele estava imóvel. Os de cima tremiam de frio. Pensei no que poderia fazer pelos vivos. E não fiz nada. Apenas passei.
Depois entrei no Niyati Café, um restaurante que descobri há poucos dias e elegi como mais um “de sempre”. Comida suave no limite de suavidade que uma comida indiana pode ter. Uma sopa e um chá. E a conta, por favor.
- Como está sua pesquisa? – o homem do restaurante me perguntou.
- Está muito bem, obrigada. – respondi confusa, pois não me lembrava de ter lhe falado o que fazia aqui.
- O André me contou que você está fazendo uma pesquisa com turistas.
- Ah, sim.
Peguei o troco e comentei:
- Estive aqui ontem e antes de ontem. Mas o restaurante estava fechado.
- Foi por causa do meu sobrinho. O coração dele parou.
- Ah... mas ele está melhor?
- Não. O coração dele parou, entende? Ele morreu.
- Ah, sinto muito.
Ele balançou a cabeça daquele jeito indiano. E eu fui embora me perguntando quem era André.
Então me lembrei. Um suíço que conheci tempos atrás em outro restaurante. Era a décima quinta vez que ele vinha à Índia. Conversamos sobre espiritualidade. Na saída, falei-lhe:
- Até mais. Provavelmente a gente ainda se cruza por aí.
- Espero que sim – ele respondeu – Eu nem gosto de falar com não-indianos. Mas gostei muito de conversar com você.
E depois, quando o encontrei de novo, foi ali, na frente do Niyati Café. Eu passava pela rua, e ele, que almoçava no lugar, correu para a porta do restaurante para me cumprimentar. Chamou-me pelo nome e contou que iria embora no dia seguinte. Ficamos ali parados, por uns minutos, porque não tínhamos mesmo assunto. Mas também porque enxergamos naquele momento a efemeridade do encontro.
É assim em todo lugar. Mas Varanasi nos faz apalpar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário