Por aqui é época de casamento. A gente anda pelas ruas e passa pelas procissões. As pessoas arrumadas caminhando, às vezes tocando tambores. Vi uma mulher com a testa encostada no chão, pensei que estivesse caída, mas ela levantou-se e todos continuaram a segui-la. Parecia ser a sogra ou matriarca da família. A esposa caminha atrás do marido, amarrada a ele por um tecido. O tempo é propício e auspicioso.
É tempo de se unir - penso eu. E também de se perder.
Saio para comprar um par de chinelos.
- O mais barato possível - pergunto pelas lojas.
É apenas para pisar o chão molhado do banheiro. De preferencia que não tenha tiras de dedo, para que eu possa calçá-los com meias. Mas então me lembro de que não tenho mais dormido de meias. E isso é bom, apesar de que, em realidade, mal tenho dormido, alérgica que estou nos últimos dias.
No meio da madrugada tive calor. Tirei uma das três calças que usava.
Durante o dia sempre alguém me convida a ir para a sombra. Recuso sempre, pois há tanto esperava esse sol. Calor por aqui é bem-vindo e aquece o espírito.
Olho as horas e penso que tenho de correr, ou não terei tempo para almoçar. Percebo o absurdo: como pode me faltar tempo em um sábado de Varanasi?
Tempo sempre há. De sobra. Mas é tanto, que sempre me perco dentro dele. É o tempo das coisas pequenas que corre por aqui. E é como se tudo fosse tão lento, que eu mesma me desacelerasse até que cada movimento fosse imperceptível.
Pois eu consigo perder a hora em um sábado absolutamente vadio. É que sou muito absorvida em errar. A liberdade me ocupa todo o tempo.
E depois paro na porta de um pequeno restaurante desconhecido. O funcionário pede que eu entre e, suave, obedeço. Peço um special thali e, quando ele chega, percebo que há comida para duas pessoas. Eu sou uma só, mas como com o prazer de uma multidão faminta.
"Vamos escrever um texto juntos" - proponho mais tarde a um amigo, explicando-lhe a brincadeira: "Eu escrevo um parágrafo, você lê apenas a última linha, dá continuidade ao texto e assim por diante. Vamos nos revezando".
Quando lemos o resultado final, nos espantamos: o texto tem estrutura e unidade, além de uma mesma vibração.
Acho bonito que uma história coerente seja escrita a quatro mãos. Eu sempre escrevi só. E nunca tive muito jeito para dividir palavras.
Mas é tempo de se unir - penso eu. E também de se perder.
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