Fui almoçar no Nyiati Cafe mais para ver como eles estavam. São três. Quatro com a mãe. Andam por ali, entre seu paninho na rua de trás e as duas ruazinhas até chegar à avenida principal. Encontrei o primeiro, saudável, dormindo no meio da rua. O segundo, magrelo, um pouquinho adiante. E a mãe logo depois. Faltava um, mas não me importei, porque sabia que o ausente era um dos gordinhos, devia estar serelepe por aí.
São os primeiros seres com que me importei em Varanasi - e desde então cuido deles. Mesmo que cuidar, nesse caso, seja apenas observar.
Foi em um dos meus primeiríssimos dias na cidade que os percebi: três cachorrinhos pretos, muito pequenos e magrelos, com as costelas aparecendo e as orelhinhas caídas. Acho que nem soube, naquele momento, que eram três mesmo. Andavam sempre espalhados e ficavam a rodear os homens.
Eu, que via de dentro do restaurante, supus que estivessem famintos: "são tão magros!" Saí para lhes entregar um pedaço de minha dosa. Eles ficaram tão empolgados com a atenção, que nem enxergavam a comida.
- Aqui, cachorrinho! - eu apontava.
Eles, nem aí. Queriam era rebolar comigo.
Voltei ao restaurante:
- Suponho que eles não estejam com tanta fome assim.
Com o passar dos dias percebi que havia quem cuidasse deles. Os homens da loja de chai davam-lhes leite. E todos nas ruas vizinhas, assim como eu, sabiam deles e acompanhavam seu crescimento.
Assim era a família: três filhotes pretos serelepes, a mãe pretinha e mais dois machos, um branco e um amarelo. Não sei qual dos dois é o pai, mas acho que ambos assumem a paternidade. Estão sempre presentes e são, juntos, uma família, que anda pela rua, brinca e fica a se lamber.
- Já estão tão gordos! - exclamei a um amigo que almoçava comigo, em minha segunda semana em Varanasi - Quando cheguei, eles eram pequeninos e magrelos. Queria tê-los fotografado, para comparar.
- Você pode começar a fotografá-los agora. Aí você compara daqui a três meses, quando você for embora. Imagina como estarão...
- Boa ideia.
Comecei a fazê-lo.
E ver vida prosperando é sempre uma alegria. Eles passavam serelepes de lá para cá, de cá para lá. Pulavam de animação quando eu me dirigia a eles e às vezes tentavam arrancar minha calça ou minha bolsa.
Há alguns dias reparei: um deles estava muito magro e triste. O vendedor de samosa me explicou: "Ele está doente, não come há quatro dias." - comentei com o senhor do Dosa Cafe. Ele respondeu que os cachorros comem qualquer coisa por aí e acabam ficando doentes.
Por isso fui lá, conferir se ele permanecia vivo. Ele dormia, no meio da rua. Ainda magro. Mas respirava. "Se está vivo até hoje, acho que sobreviverá", penso, esperançosa.
E ele sobrevive. Magro, mas sobrevive. Com a teimosia que têm os seres de cá.
O que me consola é isso: conheço a teimosia. Confio nela.
Pode ser coisa de taurina, mas acredito que teimosos venceremos.
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