- Vou sentir falta do corpo - lembro de pensar, antes de vir para a Índia.
Era uma das poucas coisas que eu lamentava sobre a viagem. Perder essa sensação de um corpo tão vivo, que a combinação de água com sol me dá. Mergulhar no mar, ou no rio, ou em uma água qualquer. E depois sair molhada a caminhar sob o sol, quase sem roupa, o cabelo secando naturalmente. Sentir calor novamente e voltar para a água.
Aqui em Varanasi, o corpo tem outros prazeres.
Os sabores são os principais. As masalas, que não são um tipo específico de tempero, mas misturas. Cada masala é uma. O que faz com que cada comida, por simples que seja, tenha um refinamento especial. O cardamomo. O cravo. O açafrão.
E depois tem os cheiros. Os incensos. Ervas e flores. Os perfumes feitos por mestres perfumeiros. Os cheiros dos temperos mesmos que se espalham pelas ruas. Há os cheiros não tão agradáveis, que se misturam. Os excrementos. Mas que de uma forma estranha têm sua maneira de serem aconchegantes, em meio à bagunça.
Há, também, os prazeres dos olhos. Excessos. Tudo é belo. Absolutamente tudo. Mesmo que tantas vezes a beleza se misture à tragédia e à dor. As cores são belas. Os bichos são magníficos. As pessoas, essas são monstruosamente belas e me enchem de espanto, com suas peles e tonalidades e texturas. E há o rio e o fim de tarde, em que o sol se torna uma bola alaranjada, cercado de pipas infinitas.
E há o prazer auditivo, que quase se mescla com o igual desprazer das buzinas ao ouvido. Mas eu me vingo xingando os motociclistas em português. E sendo tão livre que até canto em voz alta pelas ruas, o que, no Brasil, não fazia nem no chuveiro. E tem os cânticos, o tempo todo, ao longo do dia. Tem o que começa já de madrugada nas mesquitas e que se repete ao pôr do sol, no horário das pipas. Tem a música da aarti, a celebração hinduísta, às margens do rio. Os sons que vêm dos templos, as pessoas que entoam seus mantras cotidianos, as que passam gritando, vendendo pan, o tabaco com condimentos que eles mascam o tempo inteiro.
E tem o sol, que deixo tocar o rosto e já é vida.
Mas mesmo que o sol tenha resolvido aparecer - e ficar de vez - ainda sentia falta daquele outro, o do corpo molhado e dos mergulhos.
Então o professor de meditação cancelou a aula. Era domingo. Fazia calor. Por isso decidi que era o dia do mergulho. Vesti uma camiseta mais velha, a calça de trilha, levei uma canga para me enrolar depois.
Era para ser um pequeno mergulho, apenas pelo ritual. Mas o sol brilhava quente e a água estava fria. Então eu esqueci que estava no Ganges: com sua sujeira e sua sacralidade. Nadei, como nadasse em um rio qualquer. Nadei de prazer, pelo corpo. Nadei como se pecasse.
Que meus prazeres me purifiquem. Amém.
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