quarta-feira, 4 de maio de 2011

Conversa alheia


- Como você veio parar aqui?

- Eu vi no jornal. Já não te falei? Eu compro jornal todos os dias. Às vezes compro dois exemplares: um pra ler e outro pra recortar os cupons. Ganho um monte de bagulho, já juntei vários pra minha neta, que vai se casar. Não sei por que vai se casar tão nova, com dezenove anos! Eu falei pra ela ir trabalhar, construir carreira, mas não, ela inventou de casar agora, fazer o quê?

- Ah, deixa ela casar, separar...

- Se não tiver filhos, pode casar e separar, mas se tiver, vai ter que ficar casada. Se separar, faço com ela igual fiz com minhas filhas, obrigo a voltar pra casa do marido. Minha filha inventou de se separar, chegou lá em casa com três filhos pra criar, disse que não amava mais o marido. Eu disse: "Ama sim!" Ela teve que voltar pro casamento, estão lá, juntos até hoje.

- E agora ela ama o marido...

- Ela diz que não. Eu falei pra ela criar os filhos e, só depois que eles estiverem crescidos, arranjar outro homem pra amar. Comigo é assim. Eu vou contar uma história pra vocês (a essa altura ela não falava mais com a interlocutora, mas com a plateia que se formara): Meu marido me largou aos 20 anos de idade. Eu não me separei, ele me abandonou, é diferente. Eu estava no Piauí com cinco filhas pra criar, tive uma aos 15, uma aos 16, aos 17, aos 18 e aos 19. Ele me largou por uma de 17 anos, que também estava grávida dele. Por isso que eu vim pro Rio, porque não queria mais ver a cara dele, porque eu sou assim. No norte, naquela época, mulher casada não podia trabalhar, não sei por quê. Eu vim e criei minhas filhas sozinha. Mas filha minha não namora nordestino, porque eu não deixo. O pai delas era nordestino e não prestava. Eles são todos safados. Eu avisei que se aparecesse com nordestino, eu ia botar pra fora de casa. Quando elas vinham me contar que conheceram alguém eu perguntava tudo, aí elas falavam: "Quer que traga radiografia também?" E eu: "Quero! Quero que traga tudo sobre ele, pra eu descobrir a origem!" Esse cara não era nordestino não, mas a mãe dele era. Ela não prestava. Minha filha apareceu noiva e grávida. A mãe dele mandou avisar que a criança não era neta dela, que eu tinha arranjado alguém pra fazer esse bebê na minha filha. Eu disse: "É assim?! Vou lá falar umas boas pra ela!" Fui lá na favela, o pau quebrou. É porque ele era o único filho dela que trabalhava, aí não podia arranjar mulher. Mas um dia eles brigaram, minha filha apareceu em casa toda machucada, porque ele bateu nela. Fomos pro hospital, depois dei queixa na delegacia. Eu aluguei uma casa pra minha filha e um dia soube que ele andava frequentando a casa dela, dormindo lá. Eu falei que ele, então, pagasse o aluguel do mês seguinte. Quando chegou lá a queixa que eu dei, ele ficou todo assustado, implorou pra eu retirar. Eu não retirei, só pedi pra arquivar, porque ele comprou uma casa pra minha filha...


3 comentários:

Ana disse...

Amei... Adoro essas histórias contadas no ônibus, no corredor de um hospital, na feira... Gente! É tão bom.

Maria Cristina disse...

kkkkkkkkkk mulher brava, hein?! Oxente! Viu Lian, nordestino nunca! kkk

bjoss

Adam Carter disse...

Bem legal Lee. Eu achei que vc escreveo a conta (antes de dar uma olhada no dictionario para saber que significa alheia!).
Uma das joias de aprender outra idioma é ter a capabilidade entender conversas (ou pelo menos os pedaços de conversas) da vida cotidiana.
A conta me lembra da India onde as esposas dos casamentos aranjadas falam "com o tempo, você cresça para amar o seu marido."