sábado, 3 de abril de 2010

"Tudo numa coisa só"

Todos nós temos que viver cada situação por todos os ângulos possíveis: é o que estive pensando nos últimos dias. Talvez só assim aprendamos a nos respeitar mais.

- Todo mundo tem que ser pedestre, pegar ônibus, metrô, trem, avião, ser piloto, caminhoneiro, motorista de ônibus, de carro, andar de bicicleta, de moto, de patins.

Ontem fui andar de bicicleta e pensei seriamente sobre o assunto. Apesar de o passeio ser delicioso, percebi que me estressei muito com o trânsito na ciclovia. Muitas pessoas simplesmente ignoram o fluxo de bicicletas e caminham na pista como se estivessem desfilando, ou sentam na calçada e esticam as pernas no caminho, ou atravessam a ciclovia sem ao menos olhar para os lados, forçando-nos a frear repentinamente. Eu também confesso que nunca fui uma pedestre muito atenta para as bicicletas, até começar a pedalar e ver a coisa pelo outro ângulo. Também não era muito atenta aos carros, até começar a dirigir. E quem não pega transporte público não tem ideia da desumanidade que é entrar em um vagão sendo empurrado e espremido. Quem não é pedestre não sabe a humilhação de ser molhado por um carro apressado que passa em poça em dia de chuva. E fico imaginando as experiências pelas quais nunca passei. Nunca dirigi um ônibus, mas observo a vida dura dos motoristas que, além de lidar com o trânsito, ouvem diariamente impropérios dos passageiros.

- Todo mundo tem que ser aluno, professor, diretor de escola, coordenador, faxineiro e bedel.

Quando eu era apenas uma aluna, dei muito trabalho para os professores. Quando fui professora paguei pelos meus pecados, mas, ao mesmo tempo, procurava preparar aulas muito mais interessantes, ao me lembrar do que me atraía para o aprendizado nos meus tempos de estudante. Ao mesmo tempo, passei a ser muito mais compreensiva como aluna, pois sabia que o professor é só mais uma pessoa como nós, que está em uma posição como um alvo fácil. Não passei pelas outras funções, apenas tento imaginar...

- Todo mundo tem que ser protagonista e figurante.

A gente tem que ser protagonista para saber o gosto do poder e da responsabilidade. A gente tem que ser protagonista pra reconhecer o valor da privacidade. A gente tem que ser protagonista seja em um filme, peça, ou na vida de alguém. E a gente tem que ser figurante para aprender a enxergar aquela pessoa que a gente nunca enxerga. O figurante é aquele que chega antes de todos, vai embora depois, trabalha o dia inteiro e recebe mal. O figurante às vezes come separado do resto da equipe, com uma comida bem piorzinha. Hoje fui gravar um comercial, cheguei às nove da manhã e fiquei na sombra esperando minha cena. Comecei a olhar os figurantes gravando, debaixo do sol, correndo de lá pra cá. Eles haviam chegado às cinco da manhã, tinham que comer depois de todo mundo, só podiam se trocar depois que todos desocupassem a van do figurino. Acho desumano. Todo mundo tem que ser figurante, seja em que situação for, para aprender a enxergar essas pessoas, os invisíveis.

A gente tem que ser todos. A gente tem que ser tudo. Ou isso. Ou apenas a empatia salva o mundo.

4 comentários:

Mr. G disse...

Lianzinha, como amo vc!!

e concordo c cada palavra!!!

mas confesso q agora só quero ser protagonista, hehehe!!

bjs! luv!

Erika disse...

Empatia é tudo mesmo. Se todo mundo tivesse, com certeza o mundo seria beeeem melhor. Acho que deviam fazer uma lei obrigando todo mundo a experimentar todas as coisas (lícitas!...rs)..hehhe.

Maria Cristina disse...

Concordo com a Erika, muito mais humano um patrão que já foi empregado... e já pensei muito nas coisas que vc escreveu, principalmente em relação ao trânsito.

bjoss

Julia Lemos disse...

quando o Che disse que "o verdadeiro revolucionário é guiado pelo sentimento de amor" ele com certeza estava falando de empatia. esse é o sentimento mais nobre do ser humano, ou definidor mesmo do que é "ser" humano. A esperança de Marx em um futuro inexoravelmente comunista nada mais é que a fé na generalização deste sentimento à medida em que o homem foge de sua animalidade. Não sei se consigo ser tão otimista. Mas tenho certeza que vivi na facomb um processo de afastamento do sentimento de empatia devido ao comportamento das pessoas que mais se diziam "revolucionárias". Empatia me fez sofrer muito e por muito tempo esquecer meu orgulho. Contraditório todo esse processo. Aprendi um excesso de empatia, me desvencilhei e agora retorno, com a empatia mais madura e consciente de si. Quase hegeliana a empatia não sofrível. um dia ainda podemos fazer uma teoria sobre isso. Esse foi um dos seus textos mais surpreendentes, não pela forma, mas pelo conteúdo, e que me faz ter ainda mais certeza do quanto você é incrível e me traz re-conhecimento. saudade!!