terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Mergulhar

Ilustração de Daniel Gnattali

Quando anunciei que ia fazer o curso de mergulho, ele me aconselhou, já sabendo que não gosto de conselhos:

- Lian, não quero ser chato, mas... tente não nadar pra longe do grupo, como você sempre faz.

- Não, não é chato. É só um conselho inútil. Porque, se eu achar necessário, eu vou acompanhar o grupo. Mas, se eu tiver vontade, eu vou nadar sozinha.

Ele riu como se suspirasse. Ou suspirou como se sorrisse, não me lembro.

E lá fui eu, quase sem dormir, pegar um ônibus às cinco da manhã para Arraial do Cabo. As aulas teóricas começariam já às nove. A escola oferecia alojamento e toda a estrutura. Cheguei zonza de sono.Muita teoria. Depois aula de piscina. Os exercícios. Tirar a máscara. Tirar o regulador. Controle de flutuabilidade. Resgate. Depois da piscina, almoço. Depois sala de aula novamente. A essa altura, eu já não existia como pessoa. Cansaço. Muito. Um casal mineiro que não parava de interromper a aula. Eu dormia. Acordava. Tentava raciocinar. As tabelas. Prova teórica. Novamente as tabelas. E de repente uma chuva forte. Cama.

Acordei na manhã seguinte ainda lenta. Um barco e o mar. Mais dois dias assim. O mar. Nada mais, entre dormir e acordar. Eu torcendo para acabarem as tarefas, para poder mergulhar livremente. Um dia, enquanto esperávamos para fazer os exercícios de superfície, resolvi dar uma volta. O mergulho. Eu sempre me perco nos mergulhos. Eu sempre me encontro em outras formas. Essa coisa de entrar na floresta e pensar que sou bicho. Entrar no mar e pensar que sou peixe. Seguir os cardumes. Grandes peixes azuis. Pequenos peixes transparentes. De repente um puxão pelas costas. Alguém me leva para a superfície: "Mergulhando sozinha!"- recebo bronca, ainda que simpática.

O fascínio. "Eu vi um peixe que parece uma borboleta! Gorduchinho no fundo, como um avião. Então ele abre as nadadeiras como leques. E elas brilham nas pontas!" É um coió, me explicam. "Tem um outro que parece uma graviola! Um peixe redondo e inflado, com pontinhas que parecem espinhos!" Ah, um baiacu.

Porcaria de nomes que estragam a poesia.

Eu só quero o mar com seus mistérios.

"Deslocada", é o apelido que recebo de um dos instrutores. Porque, no barco, estou sempre longe dos grupos tagarelas, à procura do infinito. Porque no mar quero seguir sozinha. Mas sozinha não, engana-se ele. Quero seguir com os peixes e os seres. E, quando chega o mais esperado momento, o do mergulho livre, me apontam uma garota. O sistema de duplas. Eu saio na frente e novamente me puxam. Tenho que permanecer com minha dupla, com meu grupo.

Mas vejo uma tartaruga e não posso fazer outra coisa, senão nadar atrás em disparada. O instrutor me persegue, segura minha nadadeira, faz sinal para eu voltar. Mais tarde ele dirá: "Nunca faça isso, de seguir a tartaruga. Ela estava indo muito pro fundo. Logo você poderia ter uma narcose por nitrogênio e nem saberia, continuaria perseguindo a tartaruga." E depois completa: "Puxa, você me cansou!" É que por um momento eu penso ser meu este mundo que não é. Água, na ilusão de iludir, revela tão bem. Essa verdade de que estamos todos juntos. Os continentes unidos por ela.

E por um momento eu me vejo peixe-concha-tartaruga-coral. Tudo isso e tudo junto. Parece outro planeta, o mar. Mas é apenas ele, o mesmo mundo. Um espelho. Só que mais fundo.

"Então, Deslocada, como foi?" - ele pergunta. Eu sorrio, apenas. Deslocada. Talvez seja. Peixe fora d'água. Peixe no barco. Mas por que barco, se existe o mergulho? E por que prédios e carros e regras e ruas... se existe o mar? Por que nomes, se os seres são redondos, brilhantes, borboletas e graviolas?

E vejo meus pensamentos se perderem, boiarem. Toda a lógica transfigurada em peixes coloridos.

Tudo perde o sentido, perante a vastidão do mar.


5 comentários:

alicexavier@bol.com.br disse...

Nossa, Lian. Acho que viver um pouco o mar é deixar a vida transbordar, sempre fascinante!! Amei sua experiência. Acho que eu vou fugir pra aí! rsrs

Daniel Borges disse...

Lian, vc tem que fazer mergulho livre, assim vai poder ir tão fundo quanto conseguir sem se preocupar com narcose, e com calma, poderá mergulhar por 3 a 5 minutos, sem oxigênio!!! maiores detalhes num café.. rsrsrs

Leilane disse...

Ahhhh! Q lindo!!!

Anônimo disse...

Que rico achado...

Camila Caringe disse...

Que experiência linda.