quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Carta que eu queria ter mandado por pombo-correio à amiga que não tinha nada a ver com isso tudo...






Ontem, procurando presente para uma amiga que vai fazer aniversário, encontrei um livro de cartas trocadas entre Clarice Lispector e Fernando Sabino. Lembrei tanto de você. Tanto porque tive a impressão de que seriam cartas que nós duas trocaríamos, fôssemos outros. Como esqueci de pedir pro moço da Travessa embrulhar, vim lendo-o no metrô, que peguei na Estação General Osório. Aí o Catete passou e eu deixei o trem ir e voltar, enquanto lia selvagemente as cartas alheias que poderiam não ser.

Mentira. Desci no Catete mesmo, apesar da vontade de continuar lendo no metrô. Mas é desse ponto que nasceu esta carta, que te escrevo agora. Das minhas não-biografias, que, em paralelo, dizem muito mais de mim. Então eu te conto das verdades que não aconteceram, como o dia em que, descendo do metrô, vi dois rapazes passarem com uniformes de futebol, com seus nomes escritos atrás da camisa. Como não lembro os nomes, digamos que um era Ricardo e o outro, Daniel. Chamei um deles pelo nome: "Ricardo! Quanto tempo!" Ele ficou me olhando estarrecido, não fazia ideia de quem eu era. "Você continua lá?" E, quando ele, confuso, perguntou de onde me conhecia, eu disse que era "do curso, ora!" Depois fui embora com ares de intimidade e sumi pra sempre. E ele pra sempre se perguntou quem eu seria, mas mesmo eu quase nunca sei responder.

Em uma das cartas, Clarice lamentava uma crítica de Álvaro Lins a seus livros, dizendo-os mutilados e incompletos. Com desânimo, ela lhe dava razão, concluindo que não se podia fazer arte "só porque se tem um temperamento infeliz e doidinho". E senti que ela me acertou em cheio, apesar de eu não ser bem infeliz. Pensando melhor, talvez exatamente o contrário, pois diariamente a felicidade em mim mal cabe. Mas melancólica sim, quase sempre, também. Aliás, é meu lado melancólico que escreve, pois o feliz só sente, ama e caminha.

Engraçado como, em tempos de internet, melancolia seja quase uma contravenção. Outro dia chovia. Chovia muito e eu tinha dormido pouco. Escrevi um texto melancólico no blog. Aliás, uma carta também. Uma carta direcionada a ninguém em especial e talvez a alguém. Um Ricardo ou Daniel dos caminhos paralelos. Sempre acho que os homens podem ser divididos entre esses dois nomes. Tenho um amigo, chamado Tiago, foi assim que o conheci:

- Seu nome é Daniel de quê?
- Tiago.
- Daniel Tiago?
- Não. Meu nome é Tiago.

Mas, voltando, escrevi então uma carta melancólica. Logo que a postei, minha mãe telefonou desesperada. Queria saber se estava tudo bem. "É só a chuva, mãe!", eu expliquei. É que eu falara em morte. Mas é que eu sempre penso na morte como medida da vida, especialmente quando viajo. O ir embora. Também por isso viajo tanto, como um modo de morrer. Daí vem a vida, maior.

É que sobre alguns assuntos não se fala, estou aprendendo.

Mas Clarice me atingiu em cheio. Será que é possível fazer arte só por ter um temperamento feliz, melancólico e doidinho? Pior. Será que é possível ter a vida que tenho? Ser eu? Eu sinto que sempre me equilibro entre dois lados, mas vai aparecer um terceiro e me desmontar inteira. Uma perdição. Uma salvação. A mesma coisa. Tenho pressentimentos e também alguns planos secretos. Te conto sobre eles pessoalmente.

Vou a Goiânia daqui a alguns dias. Vou a Goiânia e quero te ver. Quanta saudade. Eu sempre te escrevo cartas mentalmente, pois sinto que você vai entender sem susto minha divagações felizes, melancólicas e doidinhas. E as cartas, as concretas, devo tantas a tanta gente. Cansei de escrevê-las quando elas tornaram-se relatórios. Eu não quero falar sobre os fatos, eles estão espalhados por aí. Eu quero falar é da terceira via, esta que vem e que vai destruir tudo que eu conheço.

Estamos a alguns dias do fim do mundo. Eu vou a Goiânia te visitar. E, depois que o mundo acabar, vou pro Pantanal. Vou visitar os índios Terena e depois eu quero virar bicho. A terceira via, talvez.


4 comentários:

Julia Lemos disse...

Ainda estou pensando nesse Ricardo, eu queria saber quem é. De todo modo, http://juliaemexcesso.blogspot.com.br/2012/12/pombo-correio-de-volta-amiga-da-carta.html

Leilane disse...

Vocês são muito lindas.

alicexavier@bol.com.br disse...

Que lindooooooooo! Amei!!! Só vocês mesmo!!! Eu queria uma carta dessa pra mim, hehehe (inveja boa) saudade!!! Bjo!

Tiago Lins disse...

- Seu nome é Daniel de quê?
- Tiago.
- Daniel Tiago?
- Não. Não é isso...
- Ah é Tiago Daniel !
- Não, meu nome é Tiago mesmo.

Alguém tinha que falar, o gelo se quebrou.
Comemos sobremesa rindo.

T.