sábado, 14 de janeiro de 2012

Intersecções


Eu confio mais nas pessoas que gostam de crianças e bichos. Eu confio em quem sabe se apequenar, porque quando a gente encolhe em poder, a gente amplia em amor. Não sei de nenhum outro caminho, senão o de ser mais mundo do que gente. Engraçado isso, de ser menos eu para que um outro eu tenha espaço. Esse alargamento.

Eu me quero interseccionada com tudo. Eu quero tudo interseccionado com tudo. É muito? É mundo em estado de amor, apenas.

É que todos somos bons no limite do eu, no limite do igual. O que muda é a margem que define a alteridade. Em "O livro do riso e do esquecimento", a personagem Tamina vai parar em uma terra só de crianças, que, em determinado momento, passam a agredi-la. Kundera explica que essas crianças não são más, pelo contrário, elas sacrificam a mulher, oferecendo seu espetáculo umas às outras, em ato de pura bondade. É Tamina quem está fora do círculo do eu.

Eu acredito na expansão dos círculos de nós, embora às vezes testemunhe circunstâncias que me façam desacreditar de tudo. Eu vi um mendigo apanhando de três policiais, no meio de uma praça cheia de gente. Eu subi no ônibus e não fiz nada, e imagino que ninguém tenha feito. Ele estava fora do círculo de nós, cidadãos. Como também sempre estiveram fora os outros povos, que eram escravizados e dizimados. Como estão fora os animais, que comemos. Eu apostei que em trezentos anos a humanidade será vegetariana, embora eu também não o seja e embora eu nunca conseguirei conferir.

É que eu acredito nesse dia em que... não os bichos terão status de gente, mas a gente terá status de criança, de bicho, de planta, de mundo. Essa fé no amor é meu jeito fanático de ser religiosa, ainda que eu rejeite as instituições.

Eu tinha começado este texto apenas para contar uma história da infância, mas vim divagando até aqui. A minha história tinha a ver com uma menina que conheci há muitos anos e com a fé que ela tinha no mundo dos adultos. Mas, até que tudo se interseccione, já é outra longa história...

Gostemos das crianças, por ora.


6 comentários:

mahh disse...

Ameeeeei!

Taís Carolina Seibt disse...

Nossa Prima! Que lindo! Compartilho desse mesmo pensamento e sentimento, mas não conseguiria me expressar tão bem, e com tanta sensibilidade! Assim, peço-lhe permissão para compartilhar seu texto em meu blog e com os meus amigos no facebook, mantendo, claro, a sua autoria. E já lhe peço, novamente, para escrever um livro com as suas crónicas, pois acredito que faria tanto sucesso quanto a Martha Medeiros ou a Ana Jácimo! Saudades!
Sua fã n 1!
Taís.

Anônimo disse...

Lindo, linda Lian!
Se fossemos mais criancas o mundo teria mais amor e compaixao e menos preconceitos.
Pucci

Anônimo disse...

Amém a sua religiosidade,será que veremos um dia um mundo baixo esse mesmo culto?Alegro-me todos os dias por me fazer sentir que não estou só.Sua sensibilidade tem me emocionado muito.Obrigado!!!
Compartilho dos comentários de Tais Carolina,você deveria escrever um livro com suas cronicas!
Seu fã n2!!

Clarice disse...

Os desamparados(crianças e bichos sempre são, em última instãncia)sempre me desarmam, me fazem duvidar de meus atos.
Essa intersecção é tão vasta que eu ficaria admirada se você não divagasse. É assunto para muitas horas, muitos sobressaltos, muita insônia, muita responsabilidade e respeito.
O mínimo que cada um fizer altera a ordem final. Para o bem e para o mal. Torço pelo bem.
Abraço.

leonardo brasiliense disse...

é um bom parâmetro mesmo. e legal que vieram as divagações. abraços,
Leonardo