domingo, 4 de setembro de 2011

Desaba(fa)r sobre todas as coisas


Acabei de lembrar que é o dia. Hoje é o dia. E de repente as coisas começam a fazer um pouquinho mais de sentido.

Amanhã completo uma semana de volta ao Rio. Desde então tem doído. Literalmente.

Cheguei cheia de malas e com duas opções. A primeira era sentar no chão e chorar. Fiquei com a segunda: fui organizar a vida. Desfiz as malas, lavei roupas, fiz compras, cozinhei. No final do dia meu braço doía tanto, que eu não conseguia movê-lo. Levantei no meio da madrugada, chorando desesperada de dor e impotência. Algum tempo depois escutei um barulho na cozinha. Era o Nel, com insônia. Ele me deu um analgésico e voltei a dormir. Tenho certeza de que atendeu ao meu chamado. Eu acredito em anjos da guarda.

Eu vim com um medo, com um plano e com uma saudade. O medo era estar. Que ninguém se engane, eu não estou voltando para casa. Estou começando do zero, com toda uma vida nova para criar. E, por mais que eu lamente as despedidas e o efêmero, eu sou melhor em partir do que em ficar. Eu sei melhor chegar quando sei que é breve. Eu me apaixonei pelo Rio antes de ir embora e principalmente quando cogitei não voltar.

Aqui estou. Mas não voltei.

Bom tem sido encontrar os amigos, que me reconhecem mesmo quando eu não. Que escutam meus planos, mesmo que a cada dia eu faça um plano diferente. Que me ouvem falar da tristeza sem me acusar de egoísmo. Pois não é isso, a tristeza?

Eles me perguntam e eu diariamente tento explicar que sim, é possível estar com um amigo em Bali e não irmos juntos pra cama. Ou melhor, é possível ir juntos pra cama e só dormir. É possível, sim, a presença ao lado. A amizade. E, porque é amizade, então é amor verdadeiro. De deixar buraco grande.

Um dia eu inventei que não sou o tipo que sente saudades. Não sei com que cara de pau sustentei essa mentira, mas o fato é que acreditei nela durante muito tempo. Então agora é a mim que explico: é possível, sim, esta dor.

Um dia ele achou que as palavras existentes não bastavam para descrever a sensação de deslumbramento. Aquilo era... maravilhoso? Não, era muito mais. Incrível, fantástico, perfeito? O que dizer quando o imenso da vida transcende seu nome? Então ele disse: BALI. Esta era a definição do inefável.

Hoje nós chamamos, um ao outro, de "my bali". A amizade é um amor tão simples que não ousamos tocar em seu nome. "My bali" é a nossa maneira de falar de amor.

Eu vim ao Rio sem voltar. Vim sem saber o que fazer dos sonhos, dos planos de fuga, da fuga dos planos. Mas com essa vaga ideia de transformação. De fabricar, da matéria que sou, amor, arte, liberdade. A maneira mais concreta que encontrei foi doação. Eu vim em crise com as gordurinhas extras adquiridas na viagem. A crise dos 50. Meus primeiros cinquenta quilos, que me pesaram como toneladas de complexos. Mas também a primeira vez em que tive peso para doar sangue. E vi meu sangue fluir para dar continuidade a processo de vida. Também é possível, então. Vida. Da matéria que sou. Isso é bali!

Eu viajei há dois meses, aos vinte e nove anos. Agora não sei que idade tenho. Dói tudo. A dor no braço, que pensei ser tendinite. A do buraco em aberto. A dor nas pernas, de tanto pedalar, tentando alcançar, de bicicleta, a cidade maravilhosa.

Hoje acordei escutando Eddie Vedder. Liberdade. Olhei para as quatro paredes e quis chorar.

Então me lembrei que é o dia, hoje é o dia exato da tpm.

Talvez eu não esteja tão triste assim.

2 comentários:

Leilane disse...

Estamos na mesma vibe hoje...

Julia Lemos disse...

Lian, claro que não gosto de saber que você está tão triste. Mas, por outro lado, vejo um processo de construção de algo muito lindo que vem por aí... Esses momentos inescapáveis de revisão sempre nos fortalecem e nos fazem sedimentar nossas escolhas com mais firmeza. Lembro de um dia que eu te falei que o que mais dói na vida é essa concretude da rotina. Não quero falar mal da rotina em si, mas tem uma parte da vida que às vezes me parece não fluida. É aquela sensação de quando acordamos e o que estava enevoado em nossos sonhos desaparece para dar lugar aos limites claros e concretos dos objetos do quarto: tudo é duro e sem fluidez, tudo é muito concretamente real e perturbador. E vazio de sonhos. Encontrar os sonhos e a fluidez deles nesta vida concreta é um exercício diário, sempre um esforço, essa vida tão cheia de limites nunca parece fluir naturalmente. Acho que esse encontro dos sonhos com a dureza do mundo que nossos olhos abertos enxergam sempre nos escapa e os momentos de angústia são o ápice da separação. Mas só a angústia nos leva à construção cuidadosa do edifício dos nossos sonhos para além dos olhos fechados. Eu não gosto de te ver triste, mas faria um brinde à nova explosão de estrelas que devem advir de tudo isso. Um brinde à esse momento único de virgindade dos dias que virão (como diria Elisa Lucinda!)E acho que o melhor jeito de você suportar esses dias de "gestação" é mesmo junto das pessoas mais queridas. Me lembro quando a Raquel de Queiroz disse numa entrevista que não gostava da vida, mas que gostava das pessoas. Acho que é isso, a vida concreta não flui como nossos sonhos e é pesada. Mas com as pessoas que amamos podemos sim encontrar uma dança mais leve. Elas são o que temos de melhor no correr massacrante dos dias. O novo gestar é sempre solitário, mas é possível um descanso no outro.