quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Cartas antigas

Há alguns dias usei o último envelope da safra "Erika Lettry no Rio", o legado que ela me deixou quando voltou a Goiânia: inúmeros envelopes amarelados, que, se me lembro bem, ela, por sua vez, herdara de sua mãe ou de sua avó. Ficávamos as duas durante horas no quarto escrevendo longas cartas para os amigos e os namorados. Eu comprava envelopinhos coloridos, enquanto ela usava os de seu estoque. Recordo que ela ornamentava as laterais com pequenos desenhos , para disfarçar o envelhecido.

Quando ela voltou a Goiânia, deixou-me de herança seus muitos envelopes. Passei a utilizá-los e nunca me dei o trabalho de tentar esconder o amarelado. A verdade é que as cartas, tão logo nascem, já são antigas. Quando fiz intercâmbio, na adolescência, recusei-me a criar um e-mail. Não queria a praticidade das notícias rápidas. Escrevia longas cartas e passava hora enfeitando-as, para que elas chegassem apenas duas semanas depois, com as novidades já ultrapassadas.

Não importa quão rápido cheguem as cartas, sempre as imagino como vindas de sangrentas batalhas, trazidas à custa de sede e suor, através de infindos desertos. Sempre quis um daqueles carimbos de madeira em relevo, para lacrá-las com cera e o brasão da família. Sempre a minha caneta se sonhava pena, apenas para dar um ar antigo. Enquanto se escreve uma carta, já se cria esse abismo, pois ela torna-se uma memória longínqua.

Cartas são antigas por natureza e nada mais próprio do que chegarem em envelopes amarelados, já com a nostalgia de um tempo distante, em que elas percorriam mundos no lombo de um cavalo ou no bico de uma pomba.

4 comentários:

Erika Lettry disse...

Puxa, nunca pensei que aqueles envelopinhos amarelados tivessem um significado tão bonito. Agora vou olhá-los com outros olhos..hehee. Amei! Brincar de carta é tudo de bom!

Ana disse...

Quando morei em Natal aprendi a escrever cartas. Depois com o tempo perdi o cantato com pessoas queridas e a disposição de posta-las. Mas sinto saudades das reflexões que fazemos por meio das cartas e saudade de ver minha letra desenhada no papel. A Erika é uma menina-mulher, realmente, formidável. E tenho certeza que nessas cartas existem mais de vocês do que nas mensagens instantâneas de internet.

Marina Mota disse...

Simplesmente "concordo"!

Anamaria do Val disse...

Foi muito bom descobrir que ainda existe quem valorize a carta, a pena, a tinta nesse tempo de abreviações em que vivemos. Escrever uma carta é um ritual que incentiva a reflexão. Adorei seu post! Bjs