terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Da experiência do Sagrado



Era uma tarde de outono em Verona. Chuviscava de leve, mas fazia muito frio. Eu andava a esmo. Havia decidido que minha missão naqueles dias era comer, só isso. Mas àquela altura já havia almoçado e acabei ficando meio perdida. Como fico perdida sempre que não tem sol.

Resolvi que precisava entrar em um lugar, qualquer lugar - para me aquecer e escrever no meu caderninho.

Então entrei em uma igreja: a Chiesa di San Lorenzo.

Havia um som que vinha de sua lateral. Vozes femininas. Repetiam algo como uma oração ou um mantra. Eu não podia vê-las, mas, em minha falta de experiência com igrejas, pensei que fosse uma missa.

Perguntei-me, por um instante, se eu poderia estar ali, em minha maneira pagã, só para me aquecer e escrever. E logo me respondi que sim: "Se essa é a casa de Deus, então tudo é permitido". E imediatamente me dei conta de que meu raciocínio era praticamente o inverso de Dostoievski, que anunciara que "se Deus não existe, tudo é permitido". Achei graça disso.

É que eu, que me declaro ateia, só poderia conceber um Deus que não tivesse leis humanas. Que não escolhesse uns em detrimento de outros. Que não bradasse regras. Que não exigisse ser cultuado.

Eu só aceitaria um Deus que recebesse qualquer um em sua casa, ainda que fosse uma pessoa perdida em meio ao frio, que não acreditasse nele e só quisesse um lugar para escrever ideias mundanas.

Então me sentei em um banco lá no fundo, abri meu caderninho e tentei escrever.

Mas aquele som que me soava como um mantra, aquelas vozes femininas repetindo as mesmas frases continuamente, aquela vibração em palavras que eu não compreendia... De repente tudo aquilo me hipnotizou. Larguei o caderno e fiquei ali, só estando ali.

Até que, não sei quanto tempo se passou, aquelas vozes se calaram. Ouvi uma movimentação de pessoas se levantando. Pensei que fosse terminar a missa. Mas não. Agora que ela começaria. As freiras, donas daquelas vozes, apareceram à vista. Também um padre, que se pôs no altar. E pessoas. Fiéis.

Fiquei sem saber o que fazer. Pensei em levantar, ir embora. Mas fiquei.

Assisti à missa inteira. Estava eu, também, inteira.

Acho que me ajudou ouvir uma missa em outra língua, sem entender as palavras e as regras demasiadamente humanas.

Naquele momento, aceitei Deus.

Mas só aceitei aquele Deus que me aceita.





2 comentários:

Ana Julieta Ratzka disse...

lian, tudo bem ?
tem algum contato?
pois estou interessada em viajar para galapagos e estou com algumas duvidas e queria que você me ajudasse.

Erika Lettry disse...

Também não sou religiosa (não sou muito católica..hahha), mas gosto muito de igrejas. Elas enchem meu coração de paz, sempre. Acho que pelo silêncio.