sexta-feira, 9 de maio de 2014

Um poeta



Encontrei Roberto em frente ao metrô General Osório, tentando entregar cópias de poesias próprias, em troca de algum dinheiro. Pele negra, barba branca, boné com a bandeira do Brasil.

Dei uma nota de dois reais e, antes que eu me desse conta, ele contava sobre sua vida e eu escutava, curiosa que sou. 

Ele morara no Bairro da Liberdade, em São Paulo, durante vários anos. Conhecera muitos chineses e japoneses. Fora professor de karatê. Depois veio viver no Rio, passou a trabalhar para o tráfico, foi preso. Agora ele é morador de rua e tenta recomeçar a vida. Seu ofício: escrever poesia. 

- Eu vou me casar com uma japonesa! - ele me contou. Por um instante me perguntei se ele não estaria me cantando, mas não. Ele prosseguiu com a história:

- Eu sou um morador de rua, então ninguém olha pra mim. Um dia essa japonesa me olhou. É uma senhora, porque eu não tenho idade pra menina, né? Ela me olhou... a gente sabe quando alguém nos olha paquerando. Aí eu fui atrás dela. Mas descobri que ela tinha um marido. Não dava. Ela é dona de uma pastelaria, ali, na rua X, em Copacabana. Eu ia, comia um pastel, ficava sentado lá, a gente trocava olhares. Mas ela tinha que pedir o divórcio, senão não ia dar, né? Mas olha o que aconteceu: no outro dia o marido dela morreu. Não sei se alguém contou sobre nós dois, se ela pediu o divórcio, porque ele morreu do coração. Aí eu fui lá, ela estava chorando. Eu chorei também. Mas não acontece nada! Tem que acontecer.

Eu o escutava quase calada, enxugando a chuva de saliva que ele cuspia sobre meu rosto. E ele continuava a contar, empolgado com a atenção que encontrara:

- Porque ninguém me olha, então, se ela me olhou com amor, eu tenho que beijar os pés dela. Posso fazer tudo, limpar o banheiro da pastelaria dela, varrer o chão. Ela é uma empresária, eu não tenho nada. Ela é muito mais merecedora do que eu. Então eu quero casar com ela e ajudar no que for preciso. Eu vou morrer antes dela, vou ser o segundo marido que ela vai enterrar.

- Como você sabe disso?

- Eu tenho câncer na cabeça, olha. - tirou o boné e me mostrou o calo na parte de cima da testa. - Isso é câncer no crânio, não é no cérebro, é no osso.

- Mas você não passa mal por causa disso?

- Todos os dias. Eu sinto muita dor.

- E se resolve com cirurgia?

- Eu já peguei uma guia do INCA, tem uma fila... Mas joguei a guia fora, fiquei com medo. Mas sabe de uma coisa? Eu tive uma visão, muitos anos atrás. E me vi casado, morando em um apartamento. Foi Deus que me contou, é uma visão de Deus isso. Então, se até hoje eu não fui casado e moro na rua, quer dizer que eu não vou morrer tão cedo. Antes, vou viver o que está prometido, Deus não mente. Olha que ironia, convivi com tantos japoneses há mais de trinta anos e vou me casar com uma japonesa agora. 

Antes de me despedir, aconselho-o a continuar frequentando a pastelaria:

- mas tenha calma, dê o tempo dela.

Ele agradece e pergunta que poesia eu quero levar.

Poesia, meu caro. Eu só quero poesia.




2 comentários:

Anônimo disse...

Te conheço mais através de palavras do que de convívio. E te acho tão linda que tenho vontade de conviver mais, sem deixar de te ler. Vc massageia a alma da gente, sabia? Beijos agradecidos,
Elea.

Leilane disse...

<3