quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

O trem da vida



Eu me interesso pela vida alheia. Sempre penso que poderia ser comigo, por isso fico esperançosa quando encontro um casal antigo que ainda se ama muito ou fico incomodada quando escuto histórias de pessoas fazendo mal às outras. Acho intrigantes os caminhos do destino e, porque sei da minha impotência diante da vida, observo no voo dos outros os ventos possíveis. Pode tudo, eu sei. E às vezes pode até fazer sentido.

Pois eu almoçava em um restaurante simpático em Alto Paraíso e observava as pessoas do local, todas elas, igualmente sujeitas às peças que a vida prega. Até que minha atenção foi fisgada por um moço, aparência de japonês, que tentava descer um degrau com um carrinho de bebê. Ele cumprimentou os moços da mesa ao lado da minha, deixou o carrinho com uma menininha linda e se despediu. Logo apareceu sua esposa, ela sim para ficar, junto com outra criança, um menino curioso e agitado. Foi logo contando sua história com o marido:

- Eu e o Alan nos conhecemos há quase vinte anos...

Logo me perguntei quem seriam seus amigos, que não conheciam seu esposo de tanto tempo, mas, como se respondesse à minha dúvida, ela continuou:

- Mas só nos casamos em 2010.

Me interessei e continuei prestando atenção à história. Ela contou que conheceu Alan no primeiro dia de aula na faculdade (de quê, me perguntei), e que anos depois ele lhe contaria que, na primeira vez que a vira, nem dera atenção. Na segunda vez, teve certeza de que ela era a mulher da vida dele. Mas ano vai, ano vem, nada acontecia, além de um gostar platônico, de ambas as partes. Até que, no quinto ano de faculdade (ah, de arquitetura!), a turma viajou junta para um congresso em Uberlândia. E, no primeiro dia de congresso, Alan ficou... com a Carla! Uma menina qualquer da turma dos dois. A nossa personagem, cujo nome não descobri, mas que tem um rosto quadrado e expressivo, ficou arrasada. E eu, que tomei as dores dela, também.

Depois disso ela acabou deixando-o de lado e começou a namorar outro cara - o Pablo. Quando Alan percebeu que era sério, foi conversar com ela, que lhe disse:

- Lembra quando você ficou com a Carla? Pois é. O trem da vida passou.

E passou e passou. Cada um seguiu seu caminho e namorou outras pessoas. Muito tempo mais tarde ela saberia que, depois da tal conversa fatídica, Alan ficou doente, de cama, por uma semana. É que o trem atropela e tritura. Nem sempre recolhemos os pedaços.

Eles recolheram. Reencontraram-se em 2010, começaram a namorar, casaram-se no mesmo ano e duas semanas depois engravidaram do primeiro filho, Ian, o menino curioso que brincava pelo restaurante.

Naquele dia, visitariam a fazendinha.

E eu seguiria viagem para Cavalcante, intrigada com a vida e com o trem que passa. Nem sempre são suaves, os atropelamentos.

Mas faço mosaicos.

3 comentários:

Anônimo disse...

inspirador!! ;)

Neila Baldi disse...

E quando ele passa e a gente não recupera?

Clarice disse...

Alguma coisa em comum nos cerca. Esse tricô com a via alheia me encanta.
Olhar telhados e janelas e imaginas as histórias que se desenvolvem por aí é uma viagem.
Que bela história a deles, tão bem contada, como sempre.