segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Transpantaneira


Era o último dia do ano de 2012. Seguíamos em um jipe pela estrada transpantaneira. Por nós passavam cutias, tucanos, macacos. De vez em quando descíamos do carro e nos aproximávamos de alguma lagoa, repleta de jacarés e capivaras. Quando tínhamos sorte, uma ariranha. Nada de onça aquele dia. Vida é assim, aparece quando quer.

Era o fim de um ciclo. E era passagem do tempo que se materializava em estrada. O mundo acabara e pensava-se que não. E porque seguíamos no balanço lento pelo caminho de terra. Porque o horizonte era silêncio e contemplação. Por tudo isso e porque a vida passa, mas só quando quer. Por isso essa imagem de repente na minha cabeça. As mortes dos filmes são assim. A pessoa caminha por um corredor de pessoas queridas, acenando e sorrindo. Todas aquelas que já foram especiais na vida. Cada uma em sua melhor fase. O velho doente, quando era novo. A tia louca, quando era lúcida. A pessoa com quem se brigou e perdeu de vista, quando era próxima e cara. Elas sorriem de olhos quase lacrimejantes. Dá nó na garganta, a beleza.

Sei que percorrer aquela estrada em pleno Pantanal na última tarde do ano era quase como morrer. Dessa morte que é triste de bonita. De constatação de amor e transcendência. Na brevidade das coisas. Eu via essa imagem: o corredor de pessoas. Quem são elas, essas pessoas que me acenam e sorriem? Quantas dessas aparentam não mais caber na vida? Na praticidade dos momentos. Mas que, sem que se perceba, moram na eternidade dela. A vida que não se divide em parcelas de tempo.

Eu vi me sorrirem todos meus amores, antes que se transformassem em mágoa ou esquecimento. Eu vi me acenarem os meus amigos queridos, quando explodíamos de empatia e afeto. Eu vi os parentes todos me vendo ir, quando ninguém era só. E se reuniam em banquetes do tempo em que não se morria. E os bichos, todos eles me recebiam naquele corredor. Toquinho corria livre e me latia. Tamanduinha tomava leite na tigela, com o filhote que ela não teve grudado nas costas. Os gatos ronronavam. E eu seguia, seguia aquela estrada em meio ao Pantanal.

Eu morri no último dia do ano de 2012.

Pra renascer sabendo que amor sempre vive.


3 comentários:

jadson jr disse...

hum...

Leilane disse...

Uau! Arrebatada!

Clarice disse...

Tenho enorme admiração por quem consegue sentir a paisagem. Se traduzir em palavra, então...

Abraço.