segunda-feira, 14 de maio de 2012

Aniversário


Talvez fosse a proximidade dos dias que mudariam a contagem dos anos. Talvez a chuva que voltasse pro oceano. Mas é que maio é mês de travessia, e eu, que ritualizo tudo, fui me vestindo de nuvem. Evaporar. Desvanecer.

- Eu tenho tido dejà vu todos os dias, todo o tempo.

- Talvez o tempo seja circular.

- Uma amiga me disse que leu em algum lugar uma explicação sobre o fenômeno, algo sobre conexões neuronais.

- Existem várias explicações possíveis, nunca saberemos.

- É... mas acho que a hipótese mais plausível ainda é a dos universos paralelos.

- A mais plausível? Pensei que você fosse dizer...

E o tempo me repetiu. Tudo que era já tinha sido, quiçá fosse sempre. Talvez para que eu não temesse a passagem. São de versos os caminhos, qual escolher? Quisera eu guiar, mas não calculo pedras.

Eu só preciso que alguém me diga que subirá comigo, mesmo se o céu desabar. É possível que haja debandada, mas eu sou taurina, esqueceu? E é maio. É lua cheia. Preciso muito subir. Sumir. Circulíris no céu.

- Circulíris? Bonito isso, gostei.

- Gostou? Eu te dou.

E eu, vestida de nuvem, viro dona de um circulíris azulado.

Amanhece um céu clarinho, tudo fica branco, branco-céu, branco-lua. Em breve ela desaparecerá. E eu, que já estava apegada. Assim é a vida. E é maio, mês de travessia. Eu atravessando nuvens brancas, experimentando o desaparecer. Ser lua. Talvez o tempo seja mesmo circular. Mas o apego, que fazer?

Está tudo bem, a gente pega um barquinho para atravessar. Alguém jogou um pedaço de terra no meio do mundo. Ou alguém jogou um mundo no meio do mar. Sabe-se lá. Eu já me havia dito que neste aniversário queria me isolar. "Sabia que a palavra 'isolar' vem de 'ilha'?" Eu não sabia. SorRio no mar.

Numa outra vida eu quero ser cachorro em um lugarzinho assim, tudo perdido no meio do nada. Eles passeiam no mato, deitam na areia, saem a conversar com toda a gente na rua. Às vezes escolhem alguém e sentam ao lado, somente. E encontram seus amigos cachorros para brincarem em bandos.

Mas desta vez vim gente e me pergunto se as areias daqui cantam por serem mais aeradas, o que vira uma discussão, dessas boas, em que o que menos importa é ter razão. Mas aposto que os cachorros em bando não latem sobre as areias. Ou não. "Tem sempre um 'ou não' do ladinho".

Estamos desaparecidos, leves. Névoa. E de repente tudo é nuvem. E tudo é branco. Então pegamos um outro barco para voltar ao mundo que existe. A ilha desvanecendo ao fundo.

- É, vamos voltar a dois mil e doze.

- Poxa, vou sentir falta de dois mil e nunca.

- O que você disse?

- Dois mil e nunca.

- Que pena. Tinha entendido dois mil e nuvem.

Que seja. Será.

Melhor parte da travessia é se deixar atravessar.


8 comentários:

Ivan Bueno disse...

Lian,
Adoro o ritmo dos seus escritos. Fluem deliciosamente, como este aqui, neste ou em algum hipotético universo paralelo.
Seriam outros universos, os paralelos, menos patéticos ou será isso só hipotético, mesmo?
Adorei a frase "só preciso que alguém me diga que subirá comigo, mesmo se o céu desabar". Acho que isto é o que todo mundo quer, busca, mas coloca tantas regras e barreiras... Subir e descer, é preciso, e é preciso suportar a montanha russa.
Beijo grande, taurina.
Ivan.

Leilane disse...

Que texto lindoooooo!!! Parabéns de novo, por nunca ter medo de atravessar.

alicexavier@bol.com.br disse...

Que aniversário mais lindooooo! que ele seja sempre assim, pleno, revelador e feliz! Bjoo!

Clarice disse...

Parabéns não só pelo aniversário, mas por mais um texto brilhante. Ter coragem de se deixar levar é uma linda travessia.

Eu que moro numa isola fico logo cercada de asas lendo você.

Algum editor já viu teus textos?

Abraços.

Vanessa Santos disse...

Parabens pelo texto!
http://mardeletras2010.blogspot.com.br/2012/05/vida-no-intervalo-das-musicas.html

She Talks About Everything disse...

Gostei muito, muito mesmo do seu blog...
Eu escrevo crônicas (:
Depois vê lá: http://everythingihateintheworld.blogspot.com.br/

Julia Lemos disse...

Amei a parte dos cachorros!

Roberta disse...

Oi!!!! Faz bastante tempo que nos encontramos assim no acaso das aulas do Roumer. Aqueles longos cabelos, aquela timida aparencia de distanciamento e constante viagem eram absolutamente quebradas no momento que vc se expressava. A sua voz vinha com toda a potencia que naquela epoca eu nao entendia e agora eu ouco ao ler o seu blog.
E admiro....admiro muito pq ao longo de toda a minha infancia escrever foi a forma que encontrei para me despir e atualmente ando muito coberta

Parabens pelo blog. Adoro!