quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Vazia

Entre as tantas que gostávamos de pintar, bordar e inventar, um dia resolvemos fazer um quadro de tinta salpicada. Aprendemos a técnica no volume XII do livro "O Mundo das Crianças", que marcou a infância de ambas. Uma das tantas coincidências que nos ligava, além de sermos pó das mesmas estrelas. A técnica consistia em salpicar tinta na tela, utilizando uma escova de dentes e um palito de picolé. Definíamos as figuras com papéis cortados. E ali estávamos nós: meninas de saia feitas da matéria do vazio.

Foi ela quem me explicou o vazio. E, desde então, tem sido muito mais fácil seguir sem susto. E, quando o reconheço e o deixo ser, então ele paradoxalmente deixa de ser. Isso foi ela quem me ensinou. Mas também é ela quem tem as tintas para preencher o espaço em branco de beleza e de sentido. Ela tem esse ponto de interrogação estampado no rosto de criança-filósofa-poeta. Tem a exclamação e as reticências. As palavras e as pausas. Ela é a criança dos "por quês", que não entende por que o mundo é este e não os outros possíveis. Porque vem dela esse senso de justiça e de beleza. Esse questionamento. A indignação. Isso eu admiro profundamente.

"Eu costumava ser mais esperta" - eu às vezes lhe dizia - "mas agora estou convivendo muito com você. A culpa é sua." Ela retrucava: "Ah, Lian, você sempre dá rata, pena que eu nunca consigo me lembrar!"... Sim, eu já fora mais esperta. Eu era esperta de palavras e certezas. Mas com ela aprendi um outro tempo. Aprendi que, quando não estamos completos, podemos ser preenchidos, esvaziados e transformados infinitamente.

É por isso que acredito nela. E, porque acredito nela, acredito em pessoas como ela. E, porque acredito em pessoas como ela, acredito em um outro mundo possível, pulsante, prestes a nascer.

Que lhe sejam dadas as tintas, as escovas de dentes, os palitos de picolé.

Eis alguém que sabe de quantos vazios é feita a matéria do Amor.

4 comentários:

Taís Carolina Seibt disse...

Que lindo, prima! Sempre doce, delicada, inspirante! E saiba, você não é vazia! É sim CHEIA de um AMOR transbordante, que hoje pouco se vê, se encontra, se sente... Você é uma das pessoas raras, que ainda podem se chamar de HUMANA! Te admiro muito, e sempre!
Sempre blogada em você!
Saudade!

Maria Cristina disse...

Ah que lindo!!! Como sempre maravilhoso o texto!!! E não conhecia essa pintura das menininhas... amei!!!

To com saudade de vc, vou escrever uma carta nesse carnaval...

bjo

Julia Lemos disse...

Me fazendo chorar, me fazendo suspensa do vazio! Sempre me pergunto: você existe mesmo? Ai, ai.

Clarice disse...

Isso que é viajar para o infinito de carona com nuvens. Vazio é mesmo só o outro lado da cor.
Muito lindo.
Abração.