
Estávamos caminhando em direção ao ponto de ônibus. Eu, como sempre, olhando para dentro. Ele, que olhava para fora, comentou que a polícia estava na praça, no Largo do Machado, botando ordem. Ignorei, como costumo ignorar o mundo, porque ele me dói. Chegamos ao ponto e ele me apontou de novo o acontecimento. Olhei para a praça e o que vi:
Um mendigo sentado no banco da praça, quieto, de cabeça baixa, com seu cobertorzinho no colo. Três policiais que se aproximaram bruscamente e já batendo o cassetete em sua perna. Os policiais o cercaram e ele, já no chão, não podia mais ser visto. Meu ônibus, então, chegou, e eu subi atordoada, em lágrimas.
Passei o dia me sentindo mal por causa deste episódio e, ao longo dos dias, comecei a me convencer de que ele era irreal. A verdade é que não quero acreditar que este é o mundo em que vivo. Senti-me desprezível por não ter interferido, me manifestado. É provável que pouco adiantaria. Ainda assim, sei que sou uma cidadã, que, mesmo que pouca, eu tenho voz, sei que há aqueles, mesmo que poucos, que me protegem e perguntariam por mim. E, sobretudo, eu sei que sou vista como humana no mundo. Então é meu dever me manifestar por essa pessoa que não existe como ser humano e não tem direito de existir. Essa pessoa que está à mercê de qualquer violência, pois não tem quem se indigne por ela. Essa que não é cidadã, que não é inclusa no nosso mundo, o mundo dos que têm direitos.
Eu me envergonho de viver nele.