terça-feira, 7 de julho de 2009

Eu também quero falar

Nos últimos dias, "Hamlet", com Wagner Moura, esteve em Goiânia. Meus amigos, Erika e Rodrigo, escreveram suas impressões sobre a peça. E, como eu adoro um debate e minha opiniões não caberiam no espaço de comentários, publico aqui o textinho que escrevi quando assisti ao espetáculo. Agora espero os comentários!


Shakespeare, que no século XVII fazia teatro para o mais variado público, formado por desde altas classes até aquelas mais populares, chega ao século XXI com uma aura de hermetismo. Trata-se de um Shakespeare inatingível, cuja compreensão só pode ser alcançada por uma elite intelectualizada e pedante. Em sua montagem de Hamlet, Aderbal Freire Filho destrói esse Shakespeare hermético, destinado aos amantes de línguas mortas, e nos apresenta um teatro vivo, que se aproxima do público, sem que isso signifique profanizar o consagrado autor. Para Aderbal, não há profanização, simplesmente porque não há deificação. A grandiosidade de Shakespeare está em seu alcance, na maneira certeira como atinge as nuances da alma humana, universalmente.



A cuidadosa tarefa para aproximar Shakespeare do público iniciou-se já no trabalho com o texto, cuja tradução foi realizada pelo próprio diretor, juntamente com Wagner Moura e Barbara Harrington. Essa apropriação do texto deu à peça um entendimento uterino, já que cada palavra foi meticulosamente escolhida e digerida pela equipe. Buscou-se uma linguagem sem rebuscamento, mas não menos poética. As palavras, na boca dos atores, descristalizaram-se, enchendo-se de sentido e de sentimentos. A grandeza de tais sentimentos, porém, perdeu um pouco de sua sutileza ao manifestar-se, na atuação de Wagner Moura, como uma grandeza de gestos. Excesso que não passou despercebido pela platéia perspicaz, que encheu o teatro de gargalhadas, quando Hamlet afirmou que teatro nada tem a ver com exagero. A platéia achou graça da contradição, talvez mesmo sem se dar conta.



O cenário quase minimalista e o figurino, uma mescla de roupas atuais com alguns elementos simbólicos que remetem ao contexto da peça, evidenciam o que é constantemente revelado: que o teatro nos transporta, mas não nos ilude. Que estamos diante de uma ficção, que, entretanto, é capaz de nos atingir como talvez poucos fatos reais consigam. Aderbal nos transporta para esse mundo shakespeareano de maneira metalingüística, lembrando-nos que isso é teatro. É teatro e é real. Os atores, diante da platéia, transformam-se e se destransformam, transitando entre ator e personagem. O cenário abriga ambos. Uma câmera de vídeo, manipulada pelos atores em cena, cujas imagens são projetadas em um telão ao fundo do palco, amplia a ficção e sua metalinguagem. E assim Aderbal nos conduz por uma trama em que cada elemento é lucidamente escolhido, cada opção se revela coerente e dotada de sentido, para, enfim, chegar ao resultado esperado: aproximar Shakespeare de cada um de nós. Trazer Hamlet para tão perto, tão perto: para dentro. Se o objetivo foi alcançado, mede-se pela resposta do público, que lota o teatro: aplausos fervorosos e emocionados.

4 comentários:

Erika disse...

A cena em que Hamlet fala que o teatro nada tem a ver com exagero contradiz com a atuaçao do Wagner Moura. Aqui em Goiania a plateia conteve o riso com a critica, o que foi muito engraçado.
Sua leitura foi muito interessante, realmente a peça tem pontos positivos, mas no geral deixa a desejar. Bom mesmo eh o seu texto...heheheeh. Saudades!
ps: computador sem acento...rs
Beijos

Rodrigo Alves disse...

Excelente análise, Lian. A peça tem a vantagem, como você disse, de não se encerrar para meia dúzia de entendidos. É por isso que digo que a direção foi inteligente: caso não tivesse dados tantas soluções criativas rumo a essa abertura, provavelmente meia plateia iria embora antes de acabar o primeiro ato. O problema é que no afã de fazer essa modernização, a peça se perde com tamanha proporção do projeto e não segura a peteca. Wagner Moura, há que se reconhecer, está excepcional, mas você bem sabe que somente uma atuação não consegue salvar o todo, quando esse todo tem a imensidão de Hamlet.

Lisandro Nogueira disse...

Olá LIan,

Sua análise é muito boa.

Porém, tornar o texto palatável não signfica que ele é bom, bem realizado; cenografia moderna tb. ilude bastante. Fazer uma peça clássica, complexa, tornar-se "digerível" apenas nos engana.

Um dos problemas, Lian, é o nosso pouco costume com o Teatro. Portanto, ficamos entusiasmados com peças apenas medianas.

Mas uma coisa é certa: Moura é um bom ator. Ator bom é aquele que consegue fazer teatro com talento.

Gostei muito mesmo foi de sua percepção e compreensão. Convido-a para ver um filme e escrever um texto para o meu blog. Topa?

Um abraço,

Lisandro

Alice disse...

e eu perdi. nao estava em goiania. snif