- Você gostou do Nepal? - me perguntou a recepcionista do albergue, quando fiz o check out.
- Muito. Pena que vim tão rapidamente.
- Eu te entendo. Quando cheguei aqui, quatro anos atrás, me apaixonei e não consegui ir embora.
Ela é uma senhorinha de bochechas rosadas e sempre de longas camisolas floridas. Veio dos Estados Unidos e conta que encontrou o melhor lugar do mundo para viver sua aposentadoria.
- Mas você não conhecia aqui antes? - fico curiosa - Veio pela primeira vez e já ficou desde então?
- Eu não conseguia ir embora. Pros Estados Unidos não queria voltar. Fui enganada em Delhi e em Kathmandu. Então cheguei aqui e vi os Himalaias. Comecei a chorar de emoção. Não pude mais sair daqui.
Ela diz que eu me pareço filipina ou...
- É como minha filha. Ela é árabe, mas aqui ela parece nepalesa. É um rosto internacional. Já eu sou sempre a mulher branca.
A mulher branca gosta que a fronha combine com os lençóis e não entende por que a população local não usa dois lençóis, um sobre o colchão e outro sob o cobertor:
- É tão mais higiênico!
Despedimo-nos dela e vamos, já de mochilão a tiracolo, tomar café da manhã no restaurante local. O cozinheiro de lá acontece de ser o mesmo da pousada. Como não há muita movimentação, ele trabalha em um lugar e no outro. É um garoto. Aparenta ter seus vinte anos de idade. Bonito, sorridente e cozinha como cozinhasse para os deuses. Aliás, deus está nos detalhes, já dizia o ditado. Pois este garoto é o gênio dos detalhes. Não cozinha a couve-flor com o caldo, para que ela permaneça crocante. Sabe a medida de sal e nada fica excessivamente salgado ou condimentado ou gorduroso.
- Se eu tivesse uma filha crescida - conto ao meu amigo - iria querer que ela se casasse com esse garoto.
Se eu fosse dessas, claro. Será que um dia serei? Refiro-me a essas mães casadoiras, que vivem encontrando parceiros para seus filhos. Nunca esqueço a dona da galeria de arte em Ipanema, me encarando:
- Você é linda. Eu adoro coisas lindas. Posso falar pro meu filho te ligar? Ele é culto, fala quatro línguas...
Até hoje, quando passo em frente à galeria, penso: "Olha a minha sogra!"
Pois eu acho que serei dessas, sim. E vou querer ter um monte de filhos para que eles se casem com esses jovens lindos que encontro pelo mundo. Agregar toda essa gente à família - gosto da ideia.
Sigo viagem e deixo para trás meu suposto genro. Pegamos a moto novamente e rumamos a Boudanath, já dentro de Kathmandu. É uma área com uma grande stupa budista e várias pousadas, restaurantes e lojinhas. Nos restaurantes, famílias ocidentais que vêm visitar parentes que se tornaram monges. Encontro uma lojinha parecida com o que eu procurava: roupas feitas de fibras naturais. A maioria é feita de maconha ou uma fibra chamada nettle, que eu não sei o que é. Os tecidos são ásperos e não há muitos modelos para vestir. E são, sobretudo, muito caros. São vestimentas estilo Tarzan, selva, coisa assim. Eu gosto e até combinam comigo. Mas são caríssimas. Penso que me sentiria meio hipócrita pagando uma fortuna para me parecer com Gandhi. Ou com Jane.
Vamos embora de Boudanath já exaustos da viagem. Voltamos ao albergue conhecido, mas não há quartos livres. Eles nos levam a outra hospedagem dos mesmos donos. Fica fora da área central, mas os quartos são mais espaçosos. Deixamos as malas e saímos para resolver problemas práticos. O problema: comprei uma passagem aérea de volta para Varanasi, mas não recebo a confirmação porque meu e-mail foi bloqueado. A passagem foi comprada por um desses sites que encontram voos em várias companhias, então preciso entrar em contato com a empresa em questão, Air India, para confirmar se a compra foi de fato realizada e conseguir um comprovante qualquer. No Nepal, como na Índia, não se entra em nenhum aeroporto sem ticket de voo.
Há uma fila imensa na empresa, como em todas as outras na mesma rua. Fico um tempo na fila infinita, até resolver perguntar para alguém:
- É normal essa fila? É sempre assim?
- Não. É só hoje.
- Porque é domingo?
- É porque os voos foram cancelados.
Ah. Saio da fila e vou comer no restaurantezinho que se tornou o meu preferido. Peço uma refeição e, antes de terminá-la, por pura gula peço outra. Depois passamos em frente a uma loja chamada "Ekta" e me lembro de uma moça que conheci no Pantanal. Era inglesa de família indiana e trabalhava lá como voluntária. Aprendiz de índios. Era este seu nome. "Significa unidade", ela me explicou. E me vem o insight: "ek" é o número um. Faz todo sentido que "ekta" seja unidade. É uma descoberta boba, mas me vem como iluminação.
Voltamos ao albergue e não há luz. Vou para fora e fico olhando as estrelas. Meu amigo vai à recepção e sobe revoltado:
- Não há eletricidade, não há internet e a água quente é instável.
Eu escuto música no celular e olho as estrelas do céu. Não preciso de nada.
- Sugiro sairmos daqui amanhã. - ele continua.
Pra mim tanto faz. Estou tão feliz. E, no fundo, estou feliz também por não haver nada disso. E por poder ver tudo que há. Fico lá fora cantando com Raul Seixas e, quando a luz volta, eu nem a queria mesmo.
Há luz em todo lugar.
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