Comprei uma passagem de trem: daqui a pouco parto para o Nepal. Decidi nem sei quando, já que estou sempre aberta a mudar de ideia. E sempre indecisa, como se fosse a decisão da vida. É só uma semana, mas tenho essa mania de viajar como se morresse. Como se não houvesse volta.
Mandei imprimir textos para não precisar carregar o computador. Separei algumas roupas mais quentes. Resolvi manter o quarto aqui, intacto e ainda meu. Avisei nos restaurantes. E que não tirem as placas que deixei no meu cantinho. E que não me esqueçam.
Acordei de ressaca mesmo não tendo bebido, mesmo não bebendo nunca. Passei a manhã toda arrumando a mala e depois saí para comer. Tem sido a rotina da vez: salada grega com paratha no Niyati Cafe e sobremesa com chá no Dosa Cafe. Ambos ficam quase lado a lado. O dono do segundo restaurante me entregou uma tigelinha de leite, para eu dar aos filhotes de cachorro que escolhi como meus. Ele sabe que cuido deles. E ele, de alguma forma, cuida de mim. Quer saber por que vou ao Nepal. Eu lhe digo que vou, mas continuarei estudando hindi.
Depois volto para casa, ainda é de tarde, mas está escuro no quarto. Estamos sem energia elétrica, e a pouca luz de fora não alcança a janela. O tempo está virando. No meu computador, Nina Simone canta. Eu penso que não vou suportar a angústia e tenho que sair para andar. É essa falta de ar que tenho em dias parados sem sol.
Ando pelos ghats. Estranho, estranho dia. É como se eu já tivesse partido e Varanasi ficasse. Ou como se eu houvesse morrido. Eu nem sempre entendo a gravidade com que as coisas simples me atingem. Tem uma parte que parte e uma parte que fica. Eu morro sempre, o tempo inteiro, e nada acontece. É como é por aqui: os corpos sendo cremados, enquanto ali do ladinho todo o mundo vive, os cães brigam, as vacas olham para o nada, sendo apenas deusas, as cabras comem flores. As flores mesmas da morte, elas comem. Tudo morre e vive e floresce.
Um lado meu tem dó de sair daqui, mesmo que por pouco tempo. O outro lado precipita-se e não suporta ficar nem por mais um segundo: quer novos ares. Qual dos dois me dói? Ambos.
Nem sei por que gosto tanto de viajar, já que morro sempre. Talvez porque já esteja acostumada a esses momentos de melancolia e no fundo seja isso mesmo: cada partida é um parto. E cada morte, nascimento e renovação. Nascer dói, quem disse que não?
De repente lembro: Não é a morte, Lian. É só o Nepal.
E tem o gosto de uma alegria.
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