Por aqui há grupos de vacas. De bodes. Há bandos de macacos. Há gangues de cachorros. Há revoadas de pássaros e multidões de pessoas.
Apenas um bicho não pertence a grupo nenhum. E é justo um carneiro.
Eu passei por ele tantas vezes, com seus pelos brancos e felpudos. Os chifres foram pintados, cada qual de uma cor. Um, verde. O outro, alaranjado. Nunca entendi direito o que ele fazia por ali, longe de sua maioria e à mercê dos caprichos das crianças, que lhe davam tapas e puxavam-no pelos chifres. Muitas vezes eu tentava defendê-lo, mesmo sendo ignorada por elas, que continuavam a agredi-lo, em um misto de crueldade e brincadeira.
Tentei me aproximar umas tantas vezes, mas ele fugia sem estardalhaço. Apenas me evitava, desviando-se do meu caminho. Eu lembro de ter-lhe perguntado:
- Como você veio parar aqui?
Obviamente, ele nunca me respondeu.
Era não só curioso, mas também uma identificação. Uma empatia. Um carneiro que era também um peixe fora d'água, que é como, de certa forma, eu sempre me senti. Eu nunca tive muitos amigos na escola e sempre tive alguma dificuldade para me misturar entre os jovens:
- Você destoava da turma e eu queria desesperadamente te ajudar, mas não sabia como - me contou uma professora de português da minha infância, quando a reencontrei anos depois.
Sempre fui muito velha ou muito criança ou ao menos muito esquisita entre os demais.
Mas é que hoje eu passava e, como todos os dias, procurava um lugar que me chamasse. Os garotos jogavam críquete pelo ghat. E, ali ao lado, havia um banco inteiro sob o sol. Aos pés do banco, ele: o carneiro.
Por isso me sentei ali.
Ele estava diferente, menos felpudo do que antes. Fora tosado enquanto estive fora. Mantinha algumas manchas cor de rosa e alaranjado, heranças do Holi. Pus a mão sobre sua cabeça, delicadamente. Ele parece ter gostado, pois desta vez não fugiu. Continuei acariciando suas costas e pescoço. E então ele não só gostou, mas também se emocionou, pois até fez xixi. E depois colocou a cabeça sobre meu colo, esfregando-se e quase se esquecendo dos chifres duros.
- Nós, que ferimos sem querer. - pensei.
Mesmo que ferir tantas vezes seja apenas a forma atrapalhada como conseguimos amar.
E depois ele colocou a pata sobre meu colo, que eu imediatamente retirei:
- Mas se você acabou de pisar na própria poça de xixi!
Acho que ficamos os dois encantados pelo encontro: a alegre descoberta de uma nova amizade. Eu coçava seu pelo e ele se coçava em mim. Eu me deitava no chão para tirarmos fotos juntos e depois lhe contava sobre as vezes em que tentei ser sua amiga e as outras em que o protegi. Ao meu lado, acumulavam-se cada vez mais indianos, que achavam graça dessa pessoa estranha, a conversar com o bicho.
Mais tarde um adolescente puxou assunto comigo. Contou-me que fora ele que dera nome ao carneiro: Raja. E que este havia sido uma oferenda ao templo de Hanuman. Um homem trouxera o animal ainda bebê. E desde então ele ficava por ali, oferenda vivente e solitária ao deus-macaco.
Fiquei feliz de conversar com o garoto e finalmente descobrir o mistério do carneiro. Mas ele tinha esperança de alguma paquera e, no meio da conversa, perguntou-me:
- Quantos anos você tem?
- Trinta.
- Trinta ou treze? - ele apoiou-se na confusão linguística (thirty e thirteen) porque não acreditava em minha idade que, em realidade, fora arredondada para baixo.
- Trinta.
Ele continuou duvidando de que eu não fosse uma deles. Eu encarei sua dúvida como elogio e depois me dei conta de algo maior: finalmente cheguei a uma idade em que posso pertencer a todos os grupos. As crianças me veem como igual e me chamam a brincar com elas. Os adolescentes continuam me paquerando. Os mais velhos, visivelmente impacientes com os jovens festeiros, encontram em mim uma boa companheira de conversa.
E eu simplesmente parei de levar a sério os que trouxeram as manias do tempo escolar: os que me pedem para falar mais baixo, para rir mais baixo, para não chorar. Os que me pedem calma quando dou um grito de espanto pela lua brilhante no céu ou que se envergonham por mim quando converso com os bichos.
Descobri que ser um carneiro de orelhas coloridas longe de sua maioria pode ser uma forma de, não pertencendo a grupo nenhum, pertencer a todos.
E ser, assim, uma oferenda à vida. E uma forma bonita de honrar a vida que me foi ofertada.
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