Às vezes fico me perguntando se um dia as pessoas daqui vão
se acostumar comigo. Se vão entender que não estou como turista. Se vão parar
de me olhar, de me seguir, de tentar vender coisas.
Às vezes fico me perguntando se um dia vou me acostumar com
elas. Se vou parar de me irritar com o fato de ser seguida. Se vou entender o
que se passa, quando me olham. Se vou deixar de achá-las incrivelmente belas e
fantásticas e misteriosas.
Sentei-me para tomar o café da manhã e estudar no
computador. Eu tentava ler um texto, quando um moço se aproximou e veio espiar,
não por trás, mas pela frente do meu ombro, o que eu lia. Quando olhei feio,
ele perguntou se a internet estava funcionando direito.
- Está funcionando. Mas agora não estou usando a internet.
Estou estudando. – frisei o “estudando” para deixar claro que não queria ser
incomodada.
Então ele se posicionou à minha frente. Não digo que começou
a me rodear, porque não tinha por onde. Eu tenho essa mania de me sentar a um
canto onde eu possa ter visão de todo o espaço, sem ser vista por trás. Mas ele
ficou assim, bem à minha frente, andando de um lado para o outro a me observar.
Quando dei uma encarada, ele se desculpou e foi para a porta. E continuou me
olhando.
A essa altura, eu estava com os olhos fixos na tela do
computador, mas obviamente não conseguia ler. Quanto tempo se passou? Dez
minutos. Meia hora. Uma vida. Não sei. Sei que a certa altura ele finalmente
foi embora.
Terá ele se acostumado comigo?
Mais tarde, quando saí à rua, estava daquele jeito perdida,
sem saber quem eu deixava se aproximar. As crianças, sempre deixo. E sempre me
contenho para não apertá-las e espremê-las, quando se aproximam tentando vender
alguma coisa. As mulheres, pouquíssimas se aproximam. Na maioria das vezes para
pedir esmolas. Mas nunca, jamais, para puxar assunto. Às vezes observam de
longe. Eu sorrio e digo “namastê”. Elas sorriem de volta e balançam a cabeça,
desse jeito que os indianos fazem. E os homens se aproximam sempre: “Eu falei
com você ontem. Anteontem. Antes de antes de ontem.” Todos já falaram comigo.
Cada um diz para tomar cuidado com os outros. Mas quem são os outros? Eu nunca
sei.
Sei que outro dia, quando ignorei um homem, ele me provocou:
- Eu te vi caminhando com um moço ontem. Você só gosta de
brancos, né? Não gosta de homens indianos.
Aquilo me tirou do sério e, quando vi, estávamos os dois
discutindo, de dedos levantados e rodeados por uma multidão de platéia.
- Ele te colocou em um “mind game”. – me explicou Babu – Por
aqui passam muitos turistas o tempo inteiro. Quando uns vão embora, outros vêm.
E eles têm que arranjar um jeito de chamar sua atenção, arranjar argumentos que
te façam parar.
Babu, não o do dia anterior, mas o Babu de hoje, ensinou-me
um pouco de híndi. Algumas expressões úteis e, o mais importante, os números.
Aprender híndi faz parte do meu plano de me misturar. Babu disse se lembrar de
mim do ano retrasado. Eu duvidei.
- Perto do Alka Hotel. Te vi andando acompanhada. Eu
trabalhava na loja do meu tio e falei para você vir olhar as pashminas. Você
disse que iria outro dia. Você ficou menos tempo, três dias talvez. Eu falava
com você todos os dias, mas você foi embora e nunca veio à loja.
Era incrível, mas ele realmente se lembrava de mim. Perto do
Alka Hotel.
Não sei se um dia as pessoas daqui vão se acostumar comigo.
Eu sei que as acho fascinantes e belas e misteriosas.
Espero não me acostumar com elas.
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