quarta-feira, 2 de julho de 2014

Só futebol



Sou uma filha de Roberto Baggio.

A Copa de 94, que foi a primeira que acompanhei na vida, definiu toda minha maneira de torcer no futebol (sim, sou dessas que só assistem ao esporte de quatro em quatro anos). Lembro de, naquele ano, perguntar ao meu pai: "Que história é essa de Tetra, de que tanto falam?" Ele explicou que o Brasil havia ganhado o mundial três vezes. Se ganhasse de novo, seria o primeiro do mundo a ser tetracampeão. O primeiro do mundo! Aquilo me pareceu tão emocionante!

Desde então busco aquele sentimento. O coração pulando pra fora do peito, é essa a vitória. Por isso torço sempre por empate. Empate não: decisão nos pênaltis. Mais do que isso: desde o Penta, torço para o Brasil esperar um pouquinho. Perder, pode-se dizer. Mas temporariamente, só até outro país nos alcançar e, aí sim, disputarmos o Hexa. O primeiro do mundo. Com emoção. Culpa de Baggio, esse vício.

Mas este ano não.

Este ano desejei a vitória desde sempre, desejei a festa e a alegria. Só para torcer contra os que torceram contra. Não as lutas justas, aquelas legítimas que sabem que na Copa, como em qualquer outra ocasião, o grande capital se sobrepõe aos direitos da população pobre, que perde sempre. Mas quis torcer contra o mau-humor burguês, o complexo de vira-latismo, o ódio que vejo se espalhar. Eu quis que a gente se amasse, que, no futebol que fosse, a gente caminhasse junto por um dia.

Acontece que, torcendo desta vez de verdade para o Brasil, comecei a torcer junto para nossos irmãos latino-americanos e africanos. É que temos uma história em comum, uma história de iguais.E é só futebol. E ao mesmo tempo não é só futebol, pois que em tudo há uma disputa simbólica. E eu acho bonito que haja um campo, mesmo que seja o gramado, em que a gente possa dizer que estamos juntos e não, não seremos mais colonizados. Já o somos economicamente, culturalmente, e mesmo nas relações internas entre centro e periferia. É só futebol e não mata a fome. Mas já é futebol e a gente tem fome de muita coisa.

E o mais bonito disso tudo tem sido sair às ruas e parar na frente de uma tv qualquer e torcer junto, ou pro time oposto, mas junto, mas com respeito, com reconhecimento. E quando, no dia do jogo Brasil X Chile, lamentei que acabara a "hermandade", meu amigo chileno veio dizer que não, que ela não acaba. Que haviam sido eliminados por nós no futebol, mas que o amor permanecia.

Ontem parei na frente de outra tv, no quiosque da praia, para acompanhar o jogo Argentina X Suíça. O moço do quiosque só se conformou por eu torcer para a Argentina, porque expliquei que esperava uma final Argentina X Brasil. Mas não expliquei que não é pela rivalidade, mas porque acho que devemos caminhar com nossos irmãos, até o final. E pra mim caminhar com os irmãos tem a ver com alegria. Tem a ver com estar junto com nosso técnico e jogadores, mesmo que eles errem o gol. Estar no mesmo time já é para mim a vitória.

Para que fique mais do futebol quando já não houver mais futebol.



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