quarta-feira, 9 de julho de 2014

A galinha Marilou



Tenho uma amiga que é defensora da natureza. Assim, das grandes e pequenas causas. Onde tem ser vivo sendo agredido, lá vai ela comprar briga. Outro dia comprou briga com a vizinha da frente, que derrubou todas as árvores do terreno, para construir uma casinha que não justificava tanta destruição. Eram árvores nativas, centenárias. Comprou briga também com o secretário de meio ambiente, que assinou a autorização. Reuniu-se com ele, pesquisou todas as leis, ameaçou, fez barulho. Ela é assim, uma briguenta do bem. E por isso nos damos tão bem.

Pois há um tempo ela encontrou uma galinha perto de sua casa. Era galinha de macumba, tinha as pernas amarradas e estava bem frágil. Então minha amiga reuniu-se com uma vizinha (não a predadora de árvores, claro), resgatou a galinha, chamou um veterinário. Só depois soube pelos vizinhos que a galinha estava ali, amarrada, havia três dias.

- E ninguém fez nada??! - indignou-se.

Fazer nada não faz parte de seu repertório de ações.

Hoje é sua vizinha que cria a galinha Marilou, que virou de estimação e é bem cuidada. De vez em quando minha amiga passa pra ver a galinha e me dá notícias dela.

Ontem nos encontramos para tomar um suco verde, antes da aula de yoga. Fazia um mês que não nos víamos, e um mês longe de uma amizade dessas é quase eternidade.

- O ano do cavalo está uma loucura! - exclamamos, atropeladas.

E depois saímos à procura de uma televisão, para ver o início do jogo Argentina X Holanda, já que temos um tempinho antes da aula. Mal assistimos, tantos são os assuntos para colocar em dia. De repente ela se empolga:

- Lian, lembra da Marilou?! Acredita que ela virou uma pitonisa?!

- Pita o quê?

- Ela adivinha o resultado de todos os jogos da Copa! Até agora não errou nenhum!

- Como assim?

- A minha vizinha coloca dois papeis, um com o nome de cada país. E depois coloca comida por cima. Ela sempre bica a comida do país que vai ganhar.

- Mesmo? E quem vai ganhar este jogo?

Ela manda uma mensagem para a dona de Marilou e recebe a resposta: Argentina.

Acaba o primeiro tempo. Zero a zero. Temos que ir pra aula de yoga, mas já vou contente com a previsão de Marilou:

- Tomara que ela esteja certa, estou torcendo pela Argentina.

Entramos na aula. E de repente estamos tão ocupadas em colocar a perna em cima do ombro ou em controlar partes do corpo que eu nem sabia que existiam, que ficam lá fora o mundo girando e a bola rolando. Mas mal a aula acaba, me lembro do jogo, mais excitada por Marilou do que pela Copa.

- Precisamos ver o resultado!

A primeira busca no google do meu celular já é pela tabela da Copa. No início não entendo muito. Aparece Brasil X Holanda. Então me dou conta: esse será o próximo jogo. O que quer dizer que... Argentina ganhou!! E não me contenho mais de alegria e fascínio, pela Copa toda cheia de surpresas, mas mais, muito mais por Marilou, a galinha de macumba que virou pitonisa.

- Marilou estava certa! Marilou adivinha tudo!

E começamos a comemorar e contar a história espafalhafatosamente para a professora, que explica:

- Essa galinha quase morreu. Ela viu Deus. Então...

E encolhe os ombros.

E eu vou embora pensando que há mais mistérios entre o céu e a terra do que supõe uma galinha. Ou talvez não. Talvez apenas esteja tudo contido na simplicidade do ovo.


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