terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Outra viagem



Acho drogas uma caretice.

Do rivotril à maconha. Da cocaína ao McDonalds. Da ritalina ao álcool. Da nicotina à Coca Cola.

Sou dessas que não bebem e não fumam nada. Ou seja, chata. Mas careta, jamais.

Careta é o conservadorismo que mantém no poder o poder econômico. Careta é acreditar que o valor de um ser humano reside em seu carro, em sua casa, ou em seu cargo. É olhar atravessado para essas tantas pessoas destituídas de “valor” e dedicar a vida a conquistá-lo. E tomar uma droga para não sucumbir. E tomar outra droga para ser produtivo. E fumar outra droga na pausa do respiro. De novo para não sucumbir. E tomar outra droga para conseguir se concentrar. E comer uma droga no meio da correria. E beber outra droga para ser sociável. E tomar outra droga para dormir.

Careta é o status quo.

Por isso falar palavrão não nos deixa menos caretas. Falar alto no bar também não. Nem pegar todas na balada. Nem ficar high com os amigos.  Nem ficar eufórico, nem ter alucinações, nem ficar chapadão. Careta, careta, careta.

É claro que entre as tantas drogas, algumas aceito, outras tolero e a outras mais tenho aversão. Tolerância zero para cigarro, por exemplo. Que faz mal à saúde própria, à saúde dos outros, que é um desrespeito ao espaço público, que é um desrespeito ao meio ambiente, que fede e fomenta uma indústria que também fede.

Já a maconha é uma das drogas mais engraçadas, pois geralmente quem fuma pensa que transgride alguma coisa. Ou que atinge algum tipo de comunhão, sei lá. Tenho uma amiga lúcida, que sabe que fuma apenas para aguentar a porrada da vida. Eu costumo lhe dizer que, se é pra amortecer, melhor que seja maconha do que droga de farmácia. Mas que, se for pra resolver, o bom mesmo é yoga.

Também conheço aqueles que dizem que não precisam de maconha e que seria lindo se se pudesse plantá-la. É. Mas precisam a ponto de fomentar o tráfico. Não acho pouca coisa. Agora, lúcido, lúcido mesmo, é Mujica, que promulgou a lei que regula o mercado de maconha no Uruguai. Sem essa caretice de “uhu, que legal!”, mas como uma atitude política séria e necessária, rompendo tabus e moralismos vazios.

Pois, cá entre nós, de que adianta reprimir, se a verdade é que vivemos em uma sociedade que produz a necessidade de drogas? Uma sociedade que sufoca, que impõe um ritmo de vida e de trabalho que desrespeita o ritmo do corpo e da natureza, uma sociedade que exige que sejamos alegres o tempo inteiro, que sejamos magros, produtivos e fortes? Uma sociedade que exige que escondamos atrás de regras e superficialidades nossas verdades escuras? Como se pode, sóbrio, sobreviver?

Por isso compreendo o consumo de todas as drogas, legais e ilegais. Mas não sem achar careta. Porque não se trata de alternativa à sociedade materialista/capitalista/individualista como é, mas de encaixe e reprodução. Porque usá-las é necessidade criada por esse mundo castrador, mas também uma maneira de mantê-lo e de torná-lo viável.

Superar a caretice não é ficar doidão, mas estar conectado ao mundo. É essa conexão que transgride o sistema que oprime. A conexão existe em vários níveis, nem sempre racionais. Acredito, inclusive, que todos os estados produzidos pelas drogas também podem ser atingidos através de trabalho corporal. Meditação. A diferença é que meditação é processo. Processo é transformação. Enquanto droga é resultado rápido. Segue a lógica do mundo moderno. E a modernidade é démodé. Conservadora. Opressora. Ultrapassada, desde que a ultrapassemos.

Para isso temos que aceitar a travessia. Essa é outra viagem...



4 comentários:

Leilane disse...

Amo-te.

Mr. G disse...

Adoro como esse pequenos estreitos olhos são capaz de enxergar através e além!!

Priscila Duarte disse...

Bom!

Clarice disse...

Lian, minha droga mais forte é a vida! Dáo maior barato.

Mas uma cervejinha, um vinho só fazem bem ao coração, na medida certa, acredite.
Abraço.