Réquiem ao mundo que acaba
Eu agradeço o encontro, em primeiro lugar. Cada instante em que consegui intimamente te encontrar. Quando fui Terra. Quando fui atravessada por raízes inúmeras, imensas. Quando fui abrigo, sustento, pilar. Quando fui Fogo. Pela intensidade das paixões. Pelo calor com que consumi a mim e aos outros. Quando fui radiante ou febril. Quando fui solar. Quando fui Água e aceitei o fluxo das coisas passageiras. Quando fui cristalina. Pura. Transparente. Por estar em movimento constante. Pelos escafandristas que me atingiram as profundezas. Quando fui Ar. Quando fui leve. Quando fui imensa e permiti voos de liberdade. Por todas as vezes em que pude ser sem pesar. Pelos que fiz flutuar.
Eu agradeço o encontro, sempre. Eu agradeço pelos sorrisos trocados, pelas risadas compartilhadas, pelos olhares de reciprocidade. Eu agradeço as mãos dadas, os caminhos cruzados. Os irmãos de vida, os de todas as vidas. A irmã de vazio, a de pedra, a preta. Os irmãos de passos, de palavras, de poemas. Os que atravessaram comigo. Os que me atravessaram. Eu agradeço tanto, tanto. E agradeço sempre. As almas tocadas. Os corpos. As vidas.
Eu agradeço pelas viagens. Pelos lugares que tive oportunidade de conhecer. As montanhas nevadas. Os mares de peixes, tubarões, leões marinhos. Eu agradeço os desertos e as multidões. O deslumbre, o estranhamento. Eu agradeço sobretudo as viagens outras. Essas que não pedem deslocamento, mas pelas quais todas as pedras se movem. Eu agradeço diariamente pelo poder da transformação.
Eu agradeço, por fim, os caminhos não escolhidos. Pela beleza das possibilidades.
Assim me despeço desse mundo que acaba. Esperando enterrá-lo em um solo fértil de amor, para que um novo mundo floresça.
Oração ao mundo que vem
Que a partir de agora não se possa falar em mim e falar em mundo. Que as palavras não separem o que foi feito um. Nós. Que sejamos juntos e o saibamos sempre. Nós, novo mundo que vem. Nós. Laços. Menos algemas. Mais abraços. Que a lógica do dinheiro não defina nossos passos. Que o trabalho seja digno e não se sobreponha ao tempo da vadiação. Menos máquina. Mais coração. Nós. Iguais. O mesmo. Homem, outro homem, bicho, planta, pedra. Um só. Que seja. Já é. Mas que saiba. Que sinta. Que tempo não seja dinheiro. Que seja fruição. Que as religiões não sejam regras, normas, berços de intolerância. Que sejam comunhão. Ou nem isso. Que sejamos nosso tempo, nosso templo, nossa religião. Sem interferência de instituição. Que sejamos feitos da matéria do Amor. Não é essa a matéria de Deus? Que sejamos, pois, mais deuses e menos divas. Que sejamos plenos ao comportar vazios. Que possamos entender que uma atitude elevada não é se higienizar de mundo, mas aceitar a lama, mas mergulhar mais fundo.
Que seja mesmo novo. Que venha o novo mundo.
Amém.
3 comentários:
Lian, venho chamar sua atenção pois gostaria que soubesse que comecei a sentir tudo o que vc diz, mesmo nunca tendo lido seu blog (reconheci isso lendo apenas 2 linhas haha..) Acho que tenho a acrescentar =) Me procura no facebook Guilherme Velani, de São Paulo. Fique bem =)
Ah, e você é de uma espiritualidade gigante! Me deixou intrigado!
Isso é lindo demais! Comovente.
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