É a primeira vez que me lembro de ter duvidado de minhas retinas. Eu estava lá, eu vi. Mas me parecia tão absurdo que depois pensei ter sido exagero da minha imaginação, um surto (ou susto) ilusório. Dias depois, perguntei para aquele que testemunhara o fato comigo: Aconteceu? Ele me confirmou: Aconteceu. Então é real? Isso existe?
Estávamos caminhando em direção ao ponto de ônibus. Eu, como sempre, olhando para dentro. Ele, que olhava para fora, comentou que a polícia estava na praça, no Largo do Machado, botando ordem. Ignorei, como costumo ignorar o mundo, porque ele me dói. Chegamos ao ponto e ele me apontou de novo o acontecimento. Olhei para a praça e o que vi:
Um mendigo sentado no banco da praça, quieto, de cabeça baixa, com seu cobertorzinho no colo. Três policiais que se aproximaram bruscamente e já batendo o cassetete em sua perna. Os policiais o cercaram e ele, já no chão, não podia mais ser visto. Meu ônibus, então, chegou, e eu subi atordoada, em lágrimas.
Passei o dia me sentindo mal por causa deste episódio e, ao longo dos dias, comecei a me convencer de que ele era irreal. A verdade é que não quero acreditar que este é o mundo em que vivo. Senti-me desprezível por não ter interferido, me manifestado. É provável que pouco adiantaria. Ainda assim, sei que sou uma cidadã, que, mesmo que pouca, eu tenho voz, sei que há aqueles, mesmo que poucos, que me protegem e perguntariam por mim. E, sobretudo, eu sei que sou vista como humana no mundo. Então é meu dever me manifestar por essa pessoa que não existe como ser humano e não tem direito de existir. Essa pessoa que está à mercê de qualquer violência, pois não tem quem se indigne por ela. Essa que não é cidadã, que não é inclusa no nosso mundo, o mundo dos que têm direitos.
Eu me envergonho de viver nele.
6 comentários:
Passeando pelo blog, encontrei um cantinho de ternura.
Li e reli várias escritas
Decidi aqui voltar sempre
se permites te sigo com carinho
Seu blog é LINDO!
Preciosa Maria
A coisa mais importante que fez foi não se conformar mesmo que não tenha tido oportunidade de interferir! aqui você se manifestou e, tenha certeza, influenciou pessoas.
Queria viver em um mundo com mais pessoas com o seu coração!!
Neste mesmo mundo não há mais tanto o que fazer... a sua expressão, o seu desabafo fazem muito. Se todas as pessoas tivessem seus olhos, o mundo seria tão bom... e eu queria viver sempre nele e não ter com que me envergonhar também.
Beijo querida!
Ola Lian.
É realmente triste se sentir, de certo modo impotente, ou em alguns momentos até mesmo covarde. E tudo por conta dessa sociedade, fria e calculista, capitalista e pra terminar de deteriorar, estupidamente hipócrita, que ao longo dos tempos segue moldando as pessoas que nela vivem, exceto alguma que se recusam em seguir este maldito sistema, ou, continuam humanas. Não se aflija, pois você é uma resistente!
Parabéns pelos belíssimos textos recheados de sensibilidade, sentimentos raros nos dias de hoje! Desejo tudo de bom pra você e todos ao redor, saúde, amor e paz sempre, abraços e até mais!
OBS. Se foi inoportuna minha invasão, me perdoe antes de deletar,
pois sinceramente tive qualquer intenção de chatear!
quando humano se depara com o desumano de forma tão inesperada, difícil exigir qualquer reação. Acreditei ter uma saída, explicação teórica, qualquer coisa que pudesse trazer conforto ao fato de que absurdos acontecem o tempo todo enquanto estamos de olhos fechados. Mas não encontrei. Talvez a maior frustração dos meus estudos hoje seja me deparar com essa desesperança. Quem sabe um dia não encontremos...
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