É a primeira vez que me lembro de ter duvidado de minhas retinas. Eu estava lá, eu vi. Mas me parecia tão absurdo que depois pensei ter sido exagero da minha imaginação, um surto (ou susto) ilusório. Dias depois, perguntei para aquele que testemunhara o fato comigo: Aconteceu? Ele me confirmou: Aconteceu. Então é real? Isso existe?
Estávamos caminhando em direção ao ponto de ônibus. Eu, como sempre, olhando para dentro. Ele, que olhava para fora, comentou que a polícia estava na praça, no Largo do Machado, botando ordem. Ignorei, como costumo ignorar o mundo, porque ele me dói. Chegamos ao ponto e ele me apontou de novo o acontecimento. Olhei para a praça e o que vi:
Um mendigo sentado no banco da praça, quieto, de cabeça baixa, com seu cobertorzinho no colo. Três policiais que se aproximaram bruscamente e já batendo o cassetete em sua perna. Os policiais o cercaram e ele, já no chão, não podia mais ser visto. Meu ônibus, então, chegou, e eu subi atordoada, em lágrimas.
Passei o dia me sentindo mal por causa deste episódio e, ao longo dos dias, comecei a me convencer de que ele era irreal. A verdade é que não quero acreditar que este é o mundo em que vivo. Senti-me desprezível por não ter interferido, me manifestado. É provável que pouco adiantaria. Ainda assim, sei que sou uma cidadã, que, mesmo que pouca, eu tenho voz, sei que há aqueles, mesmo que poucos, que me protegem e perguntariam por mim. E, sobretudo, eu sei que sou vista como humana no mundo. Então é meu dever me manifestar por essa pessoa que não existe como ser humano e não tem direito de existir. Essa pessoa que está à mercê de qualquer violência, pois não tem quem se indigne por ela. Essa que não é cidadã, que não é inclusa no nosso mundo, o mundo dos que têm direitos.
Eu me envergonho de viver nele.
segunda-feira, 27 de setembro de 2010
domingo, 12 de setembro de 2010
"Onde cais, setembro?"
Eu consultei mapas, tracei rotas, planejei fugir. Até fiz minhas pequenas fugas, Jacarepaguá, Praia Vermelha. Eu retornava sem saber se voltara por inteiro. Chorei minhas perdas debaixo do chuveiro. Tive surtos de ira, de nostalgia, de impaciência, de alegria. Amei e desamei pessoas que eu amo. Desconheci os rostos conhecidos. Chovi e fiz sol. E vou deixando, assim, vida se renovar para aguardar a primavera.
quarta-feira, 8 de setembro de 2010
Das coisas que não entendo
Eu só esperava isso dela: que sobrevivesse. Tinha tudo aquilo que ela trazia para mim: o abraço com as garrinhas firmes, o calor que me esquentava o pescoço, o barulhinho que me fazia rir. Mas eu sabia que esse presentes eram efêmeros e que ela era para o mundo e não para mim.
Quando voltei ao Rio, os primeiros dias sem ela doeram. Eu acordava triste, com frio no pescoço. Aos poucos fui me acostumando a acordar sozinha, a não ter ninguém me agarrando o ombro, a não ter a felicidade diária de ver vida aprendendo a viver. Ganhei um presente lindo de um amigo igualmente lindo: uma tamanduinha de pelúcia, com que passei a dormir abraçadinha e a segurar as patinhas fechadas para relembrar seu tato.
Minha vida seguiria e minha preocupação era que a dela também seguisse. Cachorro e gato nós criamos para nós, para nos fazer companhia, para estar ao redor. Mas quem tem privilégio de criar tamanduinha, mesmo que seja por poucos dias, tem essa experiência de um amor muito verdadeiro. O cuidar de um ser para que ele viva. E é esse o único retorno que eu esperava dela. Vida. E talvez outras vidas, talvez um filhotinho que se agarrasse nela como ela se agarrava em meus braços e meus ombros. Eu pensava que, quando ela tivesse um serzinho para cuidar, então ela superaria o trauma de ter sido órfã tão cedo.
Tive um passarinho em minhas mãos por um dia e, quando ele morreu, sofri um tanto. Passarinho é pra voar, não pra morrer. Tamanduá é pra andar no mato, beber água, catar formiga, ter filhote. Tamanduá é pra viver. Tamanduinha era pra crescer forte, pra aprender a mamar e desmamar, pra aprender a cavucar terra, pra ser plena no mundo.
Tamanduinha, sobretudo, não era pra morrer afogada.
Não era.
Quando voltei ao Rio, os primeiros dias sem ela doeram. Eu acordava triste, com frio no pescoço. Aos poucos fui me acostumando a acordar sozinha, a não ter ninguém me agarrando o ombro, a não ter a felicidade diária de ver vida aprendendo a viver. Ganhei um presente lindo de um amigo igualmente lindo: uma tamanduinha de pelúcia, com que passei a dormir abraçadinha e a segurar as patinhas fechadas para relembrar seu tato.
Minha vida seguiria e minha preocupação era que a dela também seguisse. Cachorro e gato nós criamos para nós, para nos fazer companhia, para estar ao redor. Mas quem tem privilégio de criar tamanduinha, mesmo que seja por poucos dias, tem essa experiência de um amor muito verdadeiro. O cuidar de um ser para que ele viva. E é esse o único retorno que eu esperava dela. Vida. E talvez outras vidas, talvez um filhotinho que se agarrasse nela como ela se agarrava em meus braços e meus ombros. Eu pensava que, quando ela tivesse um serzinho para cuidar, então ela superaria o trauma de ter sido órfã tão cedo.
Tive um passarinho em minhas mãos por um dia e, quando ele morreu, sofri um tanto. Passarinho é pra voar, não pra morrer. Tamanduá é pra andar no mato, beber água, catar formiga, ter filhote. Tamanduá é pra viver. Tamanduinha era pra crescer forte, pra aprender a mamar e desmamar, pra aprender a cavucar terra, pra ser plena no mundo.
Tamanduinha, sobretudo, não era pra morrer afogada.
Não era.
Diálogo
Lian: Eu acho que um casal deveria escolher quem dos dois engravida.
Júlia: É, seria bom poder conversar e decidir quem está mais disponível para passar pela gravidez no momento.
Lian: E o pior é que, além de engravidar, a mulher ainda tem que parir. Eu tenho medo de parir.
Júlia: Ué, mas não precisa parir!
Júlia: É, seria bom poder conversar e decidir quem está mais disponível para passar pela gravidez no momento.
Lian: E o pior é que, além de engravidar, a mulher ainda tem que parir. Eu tenho medo de parir.
Júlia: Ué, mas não precisa parir!
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