sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Guariroba



A guariroba é uma espécie de palmito amargo, bem amargo, lá da minha terra.

Aqui no sudeste pouca gente a conhece, a não ser pela breve referência na música do Gil. Mas meu pai, como bom chinês goiano, sempre soube apreciá-la. Foi ele quem, na minha infância, me apresentou à guariroba. Pra falar bem a verdade, ele dispensou apresentações. Eu cheguei à mesa do almoço e lá estava ela, cortada em grandes rodelas, em uma travessa. Pensei que fosse palmito e, encantada pela sua abundância, pus logo um pedaço imenso na boca. Meu pai não disse nada. Ficou olhando, divertido, para minha cara de pavor, assim que senti seu sabor amargo.

Foi assim que descobri a existência da guariroba. Uma decepção (ou, sendo mais dramática, um trauma) grande o suficiente para que eu nunca tenha esquecido aquele dia.

Durante toda a minha vida, desde então, passei a recusá-la, até que, cerca de dois anos atrás, vi minha mãe colocando um pouquinho em seu prato.

- Ué, mãe, você come guariroba?

- Resolvi comer. Estou aprendendo a gostar aos poucos.

Simples assim. E, inspirada pela minha mãe, resolvi aprender a gostar de guariroba também. Mais: resolvi aprender a aceitar o amargor. Pois me dei conta disso: que eu colocava uma comida na boca e, ao perceber o amargo, imediatamente desqualificava a comida.

Mas e se não fosse errado ser amargo?

É claro que não passei a amar guariroba de uma hora para outra. Mas, sempre que tinha oportunidade, comia um pouquinho. E então passava pelo processo, esse diálogo interno tão frequente:

- É ruim.

- É ruim por quê?

- É amargo.

- Qual o problema em ser amargo? O amargo é um sabor como todos os outros.

- É mesmo.

E pronto. De lá pra cá, aprendi a gostar de guariroba. Assim, com um questionamento e uma decisão.

É que o amargor nunca é só da guariroba. E a vida nunca é só doce. E nem deve ser.

Eu nasci gostando da luz e me forcei a desbravar o escuro. Nasci gostando do conforto, mas tive que aceitar a dor. Nasci gostando do doce, mas aprendi a encarar o amargo. Por isso hoje gosto mais ainda da luz, do conforto e do doce, em sua forma óbvia e em seu contrário. E a vida passou a ter mais intensidade, desde que aceitei todos os seus sabores.

Junto com a guariroba, passei a apreciar também o jiló. E, graças à aceitação do amargor, tive essa deliciosa descoberta:

- O jiló é doce!




Um comentário:

Clarice disse...

Como já dizia aquele velhinho de língua de fora: tudo é relativo.

Na terra onde nasci, guariroba é uma fruta que dá em uma árvore bela, frondosa e rara. Os frutos são doces, muito mais quando roubados do terreno dos vizinhos.
Beijocas.