sexta-feira, 23 de maio de 2014

Divagações de um aeroporto



Sentada em um aeroporto, esperando um avião que me levaria para longe daquilo que é o nosso espaço. Para longe da vila onde nos encontramos, as ruas onde andamos de mãos dadas, a cama que compartilhamos, entre chás e granolas e açaís. E de repente, nesse espaço impessoal, embora cheio de pessoas com suas malas e histórias, me vem sua imagem. Eu vejo você dormindo na cama, como via tantas vezes enquanto você dormia. E eu me espantava e me alegrava com sua presença. E você nunca saberá o quanto torci para que os mosquitos chatos me atacassem durante a noite, só para te poupar das picadas. E depois eu me lembro de outras pessoas, aquelas que eu não conhecia e que estavam em um ambiente – eu nunca freqüentei esse tipo de ambiente – mas imagino que também tão frio e impessoal quanto esse aeroporto. E também tão cheio de pessoas, pessoas quentes, com suas histórias. Sei que a notícia nos sufocou por muito tempo: uma boate que pegou fogo no Rio Grande do Sul. E que os celulares dos jovens ficavam tocando, com ligações de mães desesperadas pelos filhos que não voltariam pra casa. E, disso me lembro bem, disseram que os corpos eram encontrados unidos, abraçados uns aos outros, como estão abraçados tantos corpos, em tantos escombros, em tantos acidentes em todas as épocas e lugares. E me vem novamente você. E depois me vem o mundo que desaba. Eu nunca vi tanto medo por aí. E nunca vi tão à solta e despudoradamente os discursos de ódio. Ao mesmo tempo, as lutas honestas e a busca por um amor livre e sem rédeas. E os questionamentos. E os atropelamentos. E as máscaras que caem. Eu vejo um tempo de mudanças pela frente. Eu vejo desabarem, uma por uma, as peças do dominó. E quem sou eu para lutar contra, quando o universo se revolve e se revolta? Então eu vejo que a gente se destruirá até que todas as estruturas frágeis – as estruturas falsas – caiam por terra. Eu vejo tudo. Não sem susto e não sem dor.

Mas vejo, em meio aos escombros, eu e você abraçados.


Quando tudo que é falso ruir, restará o Amor.