Sentada em um aeroporto, esperando um avião que me levaria
para longe daquilo que é o nosso espaço. Para longe da vila onde nos
encontramos, as ruas onde andamos de mãos dadas, a cama que compartilhamos,
entre chás e granolas e açaís. E de repente, nesse espaço impessoal, embora
cheio de pessoas com suas malas e histórias, me vem sua imagem. Eu vejo você
dormindo na cama, como via tantas vezes enquanto você dormia. E eu me espantava
e me alegrava com sua presença. E você nunca saberá o quanto torci para que os
mosquitos chatos me atacassem durante a noite, só para te poupar das picadas. E
depois eu me lembro de outras pessoas, aquelas que eu não conhecia e que
estavam em um ambiente – eu nunca freqüentei esse tipo de ambiente – mas
imagino que também tão frio e impessoal quanto esse aeroporto. E também tão
cheio de pessoas, pessoas quentes, com suas histórias. Sei que a notícia nos
sufocou por muito tempo: uma boate que pegou fogo no Rio Grande do Sul. E que
os celulares dos jovens ficavam tocando, com ligações de mães desesperadas
pelos filhos que não voltariam pra casa. E, disso me lembro bem, disseram que
os corpos eram encontrados unidos, abraçados uns aos outros, como estão
abraçados tantos corpos, em tantos escombros, em tantos acidentes em todas as
épocas e lugares. E me vem novamente você. E depois me vem o mundo que desaba.
Eu nunca vi tanto medo por aí. E nunca vi tão à solta e despudoradamente os
discursos de ódio. Ao mesmo tempo, as lutas honestas e a busca por um amor
livre e sem rédeas. E os questionamentos. E os atropelamentos. E as máscaras
que caem. Eu vejo um tempo de mudanças pela frente. Eu vejo desabarem, uma por
uma, as peças do dominó. E quem sou eu para lutar contra, quando o universo se
revolve e se revolta? Então eu vejo que a gente se destruirá até que todas as
estruturas frágeis – as estruturas falsas – caiam por terra. Eu vejo tudo. Não
sem susto e não sem dor.
Mas vejo, em meio aos escombros, eu e você abraçados.
Quando tudo que é falso ruir, restará o Amor.