terça-feira, 24 de setembro de 2013
No caminho
Ele parece o Sméagol, de "O senhor dos anéis", sentado sempre daquele jeito, quase de cócoras, na frente das Lojas Americanas. O cabelo meio desgrenhado e meio calvo. Os olhos muito grandes. Os pés descalços e enormes, saídos das pinturas de Portinari.
Parece nunca sentir frio, com sua eterna bermuda jeans e sem camisa. Mas, quando chegou o inverno, levei-lhe um agasalho, que um amigo deixara aqui em casa havia mais de um ano, e que eu, sem consultá-lo (perdão, Alan!), decidi que aquele outro amigo faria melhor uso.
- Vai me ajudar, sim. À noite faz muito frio. - ele contou.
E pela primeira vez me perguntei onde ele passava as noites. É que, a mim, parecia que ele pertencia àquela mesma calçada, que de lá brotara, como uma árvore seca. E muito me espantei um dia em que andava pelo Largo do Machado e o vi passar. Era o óbvio do óbvio do óbvio. Mas me foi uma grande surpresa me dar conta de que ele chegava. E vê-lo de pé, caminhando. Como o homem que ele é.
Talvez porque eu quase não tenha passado por ali. Talvez porque eu tenha andado só pelo outro lado da rua. O fato é que fazia tempo que eu não o via.
Dentro desse tempo houve um momento em que me peguei pensando que não sabia seu nome.
Tempo passado - eis que hoje o vejo, enquanto ando na outra calçada, como o habitual. Ele tem os cabelos cortados e a barba mais rente. Resolvo atravessar a rua para cumprimentá-lo, como não faço há tanto tempo.
- Olá!
Ele leva alguns milésimos de segundo para me virar a face, mais um segundo inteiro para me reconhecer. Sei o momento, porque seus olhos subitamente crescem e brilham. Ele me cumprimenta efusivamente.
Não sei o que é o tempo para ele, que está à parte do mundo da produção e dos relógios e dos calendários, mas exclamo:
- Quanto tempo! Atravessei a rua só pra te dar um alô!
Então ele me estende a mão e, quando ofereço a minha também, ele a segura com firmeza, com suas mãos enormes de pedir e guardar moedas.
- Obrigado. Muito obrigado.
E não soltava minha mão nunca mais, acolhendo-a entre as suas:
- Sabe, - continuou - eu peço sempre por você. Porque você é muito maneira!
E não sei quantos segundos duraram aquele infinito de tempo em que ele segurava minha mão. Quando a soltou, aproveitei para procurar um trocado na carteira e lhe dar, como fazia tantas vezes. Ele recebeu o dinheiro quase com desdém, embora não o fosse. É que ele não parou para olhar ou contar o que eu lhe punha nas mãos, porque naquele instante havia um tesouro muito mais valioso que eu lhe entregava.
E continuava me olhando com seus olhos imensos e brilhantes. E sorrindo. E agradecendo. E agradecendo.
Agradecendo o quê? Por quê?
Talvez alguma humanidade que eu, ingenuamente, lhe restituísse, ao enxergá-lo.
Saberá ele que também restituía a minha humanidade, que tantas vezes perdi?
Obrigada, você também. - vou embora pensando - Obrigada, Sérgio.
É este seu nome.
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7 comentários:
Quando crescer, quero escrever igual você! hahaha
Tocante, leve e lindo! Amei! (:
"Pois nesse mundo maravilhoso, vive mal quem não vive de amor." (Jorge Ben) 'Ü'
Você É uma das pessoas mais maneiras de todo o mundo mesmo!!! Vontade de um abraço!
Ao ter contato com as suas fotos pela primeira vez, fiquei impressionado com as suas mãos. São longilíneas... E me impressiona muito também esse seu desprendimento, embora não devesse. Ás vezes me pergunto se você realmente existe.
Você tem mãos dignas que seriam dignas de um Modigliani ou de um El Greco.
Belo texto, belos gestos.
No colégio de freiras cantávamos uma música que cabe em você:
"Fica sempre um pouco de perfume
nas mãos que oferecem rosas,
nas mãos que sabem ser generosas."
Na altura dos olhos o mundo tem outra cara e só vê quem já foi até o chão.
Abração.
Belo texto, belos gestos.
No colégio de freiras cantávamos uma música que cabe em você:
"Fica sempre um pouco de perfume
nas mãos que oferecem rosas,
nas mãos que sabem ser generosas."
Na altura dos olhos o mundo tem outra cara e só vê quem já foi até o chão.
Abração.
(probleminhas para cometr. Talvez vá em duplicidade.)
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