Quando o ônibus entrou na cidade, eu desejei ficar dormindo. Eu vi o vidro embaçado de chuva, o céu pintado de cinza. E eu quis pedir ao motorista que não parasse. Que seguisse, seguisse sempre, sem traçar um trajeto. Que fosse simples, que fosse reto, talvez.
Se não fizéssemos desvios, poderíamos cair nos buracos, quem sabe atropelar inocentes, pelo caminho. Quem sabe. Eu quis não saber. Não descer na cidade chuvosa. Não acordar. Atravessar adormecida o continente. Cair no mar.
Seria engraçado despertar no fundo de águas escuras com alguém me puxando pelo ombro a perguntar: "quem é você? quem é você?..." Assim, repetidas quatro vezes. Eu ficaria confusa e, durante um momento, não saberia dizer a quem seria direcionada a pergunta: a mim ou ao anjo em minhas costas? E no final não importaria muito, pois que esse anjo sem braços, mas alado, de tanto me proteger, teria feito de mim escudo. Eu, meu muro. Mas como pode um anjo amputado te alcançar?
Se eu fosse sol, saberia iluminar águas escuras até que elas transparecessem. Saberia me guiar no mar profundo. Brincar em tons de azul. Criar arco-íris no mar. Se eu fosse sol.
Mas o ônibus adentrou a cidade enfeiada de cinza e eu não pedi ao motorista que seguisse. "Você não concorda que o tempo está inóspito?" Eu concordava, mesmo que em outra ocasião. E eu chovia pequeno, que é meu modo desajeitado de ser delicada. Porque o que eu queria mesmo era ser sol para encher de luz todas as profundezas inacessíveis do mar. Mas, se vim chuva, por que não dilúvio?
Quisera eu te transbordar.
2 comentários:
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Obrigada!
Lindo. Fiquei tão tocada que até soltei meu palavrão preferido após ler esse texto.
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